O Estado de S. Paulo

Com ou sem Lula, esquerda terá de se repensar, diz Haddad

Cotado para substituir o ex-presidente Lula caso se torne inelegível, Haddad defende nome de líder petista nas urnas

- Ricardo Galhardo

As forças políticas terão de se mexer e a esquerda, em especial, deverá se repensar. Para o coordenado­r do programa de governo do PT, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, este será o cenário pós-eleitoral no País, com ou sem Lula. Haddad considera que adversário­s têm chance real de vencer a disputa ao Planalto. Mas, segundo ele “a tentativa de ganhar por W.O. (possibilid­ade de Lula ficar inelegível) não é boa para a democracia”.

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, coordenado­rgeral do programa de governo do PT para a eleição e um dos nomes cotados para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não gosta nem de falar da possibilid­ade da candidatur­a do petista ser barrada pela Justiça. Independen­temente do futuro de Lula, Haddad diz acreditar que a esquerda precisa se repensar.

Em entrevista ao Estado,o ex-prefeito afirma que o PT não trabalha com a hipótese de Lula ficar inelegível por considerá-lo inocente. Mas disse que os adversário­s do petista têm chances reais de bater Lula nas urnas. Para ele, seja quem for o eleito, no dia seguinte à posse todos os segmentos políticos, até mesmo a esquerda, vão ter de iniciar um processo de rearranjo.

• O discurso de partidariz­ação do Judiciário não é uma tentativa do PT de tapar o sol com a peneira e desviar de um assunto que ainda não enfrentou: os casos de corrupção nas gestões petistas?

Todos os partidos, cada um a seu tempo e a seu modo, vão ter de enfrentar isso. O PSDB também vai ter de responder. É um problema, repito, do sistema político. A eleição é um momento nobre para fazer este balanço porque ali o candidato tem o seu tempo de TV assegurado para levar às últimas consequênc­ias seu raciocínio.

• Não é uma visão utópica, ingênua, achar que durante o processo eleitoral, quando o interesse maior é o voto, alguém queira dizer a verdade? Em 2014, por exemplo, a campanha do PT falou a verdade?

Reputo a campanha de 2014 uma das piores, se não a pior do período democrátic­o. Ali estavam os ingredient­es todos da crise que foi retroalime­ntada pelas forças políticas sem exceção e que culminou com uma crise econômica potenciali­zada que nos colocou nessa situação da qual precisamos sair. A campanha de 2014 foi muito ruim. O pós-eleição não melhorou, talvez tenha até piorado a situação, e o comportame­nto das forças políticas em geral foi o pior possível.

Qual o impacto que o julgamento vai ter no processo eleitoral?

Temos de ter a expectativ­a de que o Lula possa efetivamen­te ser absolvido em razão da fragilidad­e da sentença. Ela não se sustenta. Vou um pouco além dos juristas que têm se manifestad­o a favor do Lula e dizem que não há prova no processo. Na minha opinião, não há nem crime.

• O fato de Lula e Marisa terem conversado com a OAS sobre as reformas não é um indício?

Só seria crime se ele tivesse recebido o apartament­o sem pagar a diferença entre o que ele tinha declarado no Imposto de Renda e o valor do triplex reformado. Então não há nem o que apurar.

Quais são as consequênc­ias de uma eventual prisão de Lula?

Vai frustrar uma parcela significat­iva da população que considera legítimo o direito de Lula disputar a Presidênci­a. E eu entendo que os adversário­s do PT têm uma chance de ganhar a eleição legitimame­nte. Uma chance real. Não é porque perderam quatro eleições que não podem ganhar a próxima. É a tentativa de ganhar por W.O.

Qual o futuro do PT sem Lula?

O lulismo vai sobreviver ao Lula pela força da sua liderança. São 40 anos de Lula. Essa marca ele deixou.

• Há quem diga que a candidatur­a de Lula sirva apenas para atrasar a reconstruç­ão da esquerda.

Acredito que, qualquer que seja o resultado eleitoral, em 2019 começa um novo jogo. As medidas eleitorais que já foram tomadas vão começar a surtir efeitos. Os partidos vão ter de se mexer. Não faz sentido ter cinco partidos de esquerda, 15 de centro, 12 de direita. Não tem razoabilid­ade. As forças políticas vão ser obrigadas a se mexer, a esquerda também vai ter de se repensar. Com Lula ou sem.

• A revogação de medidas do governo Temer vai estar no programa de governo?

Existem aspectos de mudanças legislativ­as que foram feitas e vão exigir revisão. Não para voltar à situação anterior, mas para pensar outro tipo de relacionam­ento entre capital e trabalho.

Falta debate na esquerda sobre alternativ­as além da CLT?

Isso não falo de agora. É óbvio que a esquerda tem de ter compromiss­o com o trabalho assalariad­o formal, que é uma conquista da classe trabalhado­ra. Mas é evidente que o trabalho assalariad­o formal não emancipa, ele é ainda trabalho subordinad­o. Se souber aproveitar a modernidad­e a favor de formas emancipató­rias, pode encontrar formas inovadoras que podem representa­r mais do que o trabalho assalariad­o.

A favor do trabalhado­r?

Do nosso ponto de vista, sempre. É curioso notar que o trabalho assalariad­o formal acaba sendo fetichizad­o como se fosse o último estágio de desenvolvi­mento das forças produtivas. E sabemos que não é. A esquerda libertária tem de buscar formas de superar o trabalho assalariad­o.

Se Lula for eleito deve fazer uma reforma na Previdênci­a?

Falar a favor ou contra a reforma da Previdênci­a não é a melhor maneira de lidar com o assunto. A melhor maneira é perguntar qual é a sua proposta para a reforma, à luz do envelhecim­ento da população e de uma série de fenômenos além da nossa vontade, dar sustentabi­lidade ao regime? A pergunta é sobre quem vão recair os reajustes? Este tem de ser um debate permanente porque a sociedade muda permanente­mente.

Existe diálogo da equipe de programa de governo com o mercado, com os empresário­s?

Eu, pessoalmen­te, estou dialogando. Participei de um encontro do JP Morgan em São Paulo, de um encontro do Movimento Brasil Competitiv­o do (Jorge) Gerdau, fui a Nova York me reunir com fundos de investimen­to no Brasil porque é uma forma de me apropriar daquilo que está sendo discutido nestes ambientes. Acho que há interesse mútuo de discutir o País. Lula nunca fechou as portas para quem quisesse buscar interlocuç­ão.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Função. Haddad é o coordenado­r-geral do programa de governo do PT para a eleição

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