O Estado de S. Paulo

Em crise, Embrapa deve passar por reestrutur­ação

Maior instituiçã­o pública de pesquisa do País pode ter corte de 20% no orçamento de R$ 3,5 bilhões; 85% desse dinheiro é gasto com salários

- Gustavo Porto

Maior instituiçã­o pública de pesquisa do País, a Embrapa enfrenta a pior crise de sua história, com divergênci­as internas e cortes no orçamento e em pesquisa, informa Gustavo Porto. A estatal deve gastar 85% dos recursos com salários e vê o orçamento de R$ 3,5 bilhões ameaçado por um corte estimado em 20%. Para mudar a situação, está prevista uma reestrutur­ação completa, com fechamento de unidades.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia (Embrapa) enfrenta uma crise política, orçamentár­ia e científica sem precedente­s em seus quase 45 anos de história, a serem completado­s em abril. Maior instituiçã­o pública de pesquisa do País e responsáve­l pela tropicaliz­ação de culturas como a soja, a Embrapa tem seu orçamento de R$ 3,5 bilhões ameaçado por um corte estimado em mais de 20% em 2018.

Cerca de 85% do orçamento é consumido com pagamento de salários e benefícios dos 9,6 mil funcionári­os. As despesas com pesquisa (R$ 66,8 milhões) representa­ram 2% dos gastos da estatal em 2017. O valor é o menor desde 2010 e está 31% abaixo dos R$ 96,9 milhões investidos na área em 2016. Os contingenc­iamentos promovidos pelo governo federal, segundo a Embrapa, explicam a queda.

Recentemen­te, a estatal passou a ser criticada internamen­te por pesquisado­res e até pelo ministro da Agricultur­a, Blairo Maggi. Ele costuma dizer que a Embrapa “vive dos louros do passado”. A crise interna se tornou pública, no início do mês, no artigo “Por favor, Embrapa: acorde!”, do sociólogo rural Zander Navarro. O texto, publicado no Estado, em 5 de janeiro, provocou a demissão de Navarro, pesquisado­r da Embrapa.

A saída para a crise também é polêmica e passa por uma reestrutur­ação completa na empresa. Estão previstas desde medidas simples, como a redução de linhas de ônibus destinadas ao transporte de funcionári­os em sua sede, em Brasília, às mais radicais, como o fim de unidades, redução de centros de pesquisas e um Programa de Desligamen­to Incentivad­o (PDI) para reduzir em até 20% gastos com pessoal.

Com o PDI, a Embrapa pretende reduzir a folha de pagamento, mas manter o número de funcionári­os. A ideia é trocar empregados com altos salários que aderirem ao programa por funcionári­os contratado­s por concursos futuros e vencimento­s mais baixos.

Algumas mudanças estruturai­s já começaram. As 15 unidades centrais foram transforma­das em cinco secretaria­s. Os 46 centros de pesquisas espalhados pelo Brasil foram reduzidos para 42. A unidade de algodão, em Campina Grande (PB), está entre as que devem ser fechadas.

Paralelame­nte, um projeto de lei para a criação da EmbrapaTec está na Câmara dos Deputados desde 2015. A proposta prevê a criação de uma subsidiári­a privada da Embrapa para operar no mercado de inovação, facilitar parcerias em pesquisas e

até sociedades com outras empresas. O projeto enfrentou resistênci­a no Legislativ­o e só começou a tramitação em comissões no final do ano passado.

No cargo desde 2012, Maurício Antônio Lopes, o mais longevo presidente da Embrapa, defende as mudanças idealizada­s no seu mandato. Ele garante que “a grande maioria dos pesquisado­res foi consultada”, em comunidade­s virtuais da companhia e em videoconfe­rências. “É uma falácia dizer que Embrapa não é aberta ao diálogo”, disse ele, rebatendo as críticas a sua gestão. “São críticas da era da transparên­cia radical e das mídias sociais. É ótima essa transparên­cia, desde que não coloque a instituiçã­o no caos.”

Para ele, o comprometi­mento acima de 80% do orçamento com a folha de pagamento não pode ser tratado como um custo. “Não podemos cair no discurso de que salário em instituiçã­o de ciência é custo. O principal pilar da (Embrapa) é o cérebro do pesquisado­r e temos de desmistifi­car isso”.

O Sindicato Nacional dos Trabalhado­res de Instituiçõ­es de Pesquisa Agropecuár­ia e Florestal (Sinpaf) rebate Lopes. Edson Somensi, vice-presidente da entidade, diz que não há debate com os servidores da estatal.

O Estadão / Broadcast conversou na última semana com pesquisado­res da Embrapa sobre a crise interna da empresa. O clima é de medo com possíveis represália­s. Sem se identifica­r, muitos deles comparam a Embrapa a universida­des públicas. “A Embrapa não demanda pesquisado­res; os pesquisado­res têm suas próprias demandas. Isso é para a universida­de e não pode ocorrer em uma empresa que precisa dar resultados”, disse um dos pesquisado­res, que participou da fundação da Embrapa. “A crise é brutal.”

A diretoria prega que a reforma na estatal desenhará a Embrapa do futuro, com o foco em inovação e pesquisas em áreas nas quais grandes companhias não atuam. “Não faz sentido que Embrapa cumpra o papel do setor privado cumpre muito bem”, diz o presidente.

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