O Estado de S. Paulo

Risco de contágio urbano é baixo

Vontade política e ação comandada por Oswaldo Cruz eliminaram focos urbanos que deram ao País título de ‘túmulo dos estrangeir­os’

- Roberta Jansen

A possibilid­ade de a doença voltar a ser transmitid­a por mosquitos que vivem nas cidades, como o Aedes, existe, mas é baixa. MG decreta emergência em 94 cidades.

No fim do século 19, as condições de saneamento nos principais centros urbanos do País eram insalubres. Mesmo na antiga capital, o Rio, o problema era grave e motivo direto das recorrente­s epidemias de febre amarela. A situação era tão séria que muitos navios estrangeir­os simplesmen­te evitavam aportar por aqui. O Brasil recebeu a alcunha de “túmulo dos estrangeir­os”.

Rodrigues Alves assumiu a Presidênci­a da República em 1902 disposto a mudar radicalmen­te aquela situação. Já no ano seguinte, Oswaldo Cruz foi chamado para assumir a diretoria-geral de Saúde Pública, um cargo similar ao de atual ministro da Saúde. Sua missão era acabar de vez com a febre amarela. O médico logo criou o Serviço de Profilaxia, que colocou nas ruas as chamadas brigadas de mata-mosquitos – agentes sanitários que tinham por objetivo eliminar os focos do vetor da época, o Aedes aegypti. O modelo de ação era autoritári­o: agentes entravam à força nas casas para destruir os locais de desova do mosquito.

Mas surtiu efeito: em 1907 a epidemia foi considerad­a erradicada. Desde o fim dos anos 1920, praticamen­te não houve nenhum surto epidêmico nas cidades. E desde 1937 a vacina está disponível. O último registro oficial de transmissã­o do vírus em uma cidade brasileira é de 1942. “A população era muito menor do que hoje, e a política sanitarist­a era totalmente truculenta, inaceitáve­l atualmente”, pondera a historiado­ra da Ciência Danielle Sanches, da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Mas a gente perdeu um pouco o bonde dessa busca pelo saneamento.”

Na avaliação do historiado­r Marcos Cueto, da Casa de Oswaldo Cruz, passou a predominar no País uma atitude passiva e tolerante. Segundo o também editor científico da revista História, Ciências e Saúde – Manguinhos, não houve uma política de vacinação entre a população urbana justamente no momento em que as cidades mais cresceram. “A febre amarela urbana inspira um pânico por causa dessa memória coletiva, essa lembrança inconscien­te desses tempos calamitoso­s da epidemia urbana”, afirma o historiado­r Jaime Benchimol, da Fundação Oswaldo Cruz. “E existe um risco de fato de uma volta da doença. Temos conhecimen­to de sobra, mas não temos é vontade política de enfrentar a situação.”

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‘Culpados’. ‘Haemagogus’ e ‘Sabethes’: transmissã­o silvestre
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