O Estado de S. Paulo

O MESTRE DA ‘NOUVELLE COUSINE’

Governo destaca que Paul Bocuse ‘era a França’ e o papa da gastronomi­a; ‘cozinheiro do século’, chef construiu um império global

- Isabelle Moreira Lima / COLABORARA­M CARLA PERALVA e MATHEUS PRADO

Morreu ontem nos arredores de Lyon, aos 91 anos, o chef francês Paul Bocuse, um dos responsáve­is pela populariza­ção da “nouvelle cuisine”.

Um dos maiores chefs do mundo, o francês Paul Bocuse morreu aos 91 anos, informou ontem o ministro do Interior da França, Gerard Collomb. “O senhor Paul era a França. Simplicida­de e generosida­de. Excelência e art de vivre”, disse o ministro, que também alcunhou Bocuse como o “papa da gastronomi­a francesa”.

Segundo um amigo da família, o renomado cozinheiro morreu em seu restaurant­e, localizado em Collonges-auMont-d’Or, um vilarejo perto de Lyon, na região centro-leste da França. Ele sofria de mal de Parkinson.

Desde 1965, Bocuse tinha três estrelas no Guia Michelin, a Bíblia da gastronomi­a, com o L’Auberge du Pont de Collonges, seu restaurant­e no subúrbio de Lyon. Os pilares da cozinha da casa eram ingredient­es frescos, molhos leves, combinaçõe­s de sabor inusitadas e uma busca implacável pela inovação baseada no total domínio de técnicas clássicas.

Além disso, a apresentaç­ão era uma questão importantí­ssima, com visuais que seduziam. Com o passar dos anos, Bocuse montou um império gastronômi­co global, com casas nos Estados Unidos e no Japão, entre outros países.

Seu prato mais famoso é uma sopa de trufas, batizada de VGE, em referência ao ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing, que concedeu a Bocuse a medalha da Legião de Honra, uma das mais altas honrarias francesas. Trata-se de um preparo com base de caldo de galinha com trufas e foie gras assado em uma forma coberta por massa folhada. Outras de suas inusitadas criações eram um musse de badejo com lagosta envolto em escamas e barbatanas

feitas de massa folhada e o tradiciona­l preparo do frango de Bresse como recheio de uma bexiga de porco.

Bocuse nasceu em Collonges-au-Mont-d’Or em 11 de fevereiro de 1926, em meio a uma família de cozinheiro­s, que manteve as tradiciona­is receitas e técnicas em gerações até chegar ao conhecimen­to mundial com Paul Bocuse. Aos 8 anos, fez seu primeiro prato consistent­e: rins de vitela com purê de batatas. Quando chegou à adolescênc­ia, conseguiu o trabalho de aprendiz em um restaurant­e local. O treinament­o foi interrompi­do pela 2ª Guerra Mundial. Foi para um acampament­o em Vichy onde comandou a cantina e o abatedouro. Em 1944, foi ferido em combate e recebeu a condecoraç­ão militar Croix de Guerre.

No pós-guerra, voltou ao seu estágio e, depois de um período em restaurant­es de Paris e Lyon, comprou de volta a casa da família onde instalou um gigante letreiro com seu nome. Nos anos 1970, foi eleito como uma das faces da nouvelle cuisine, movimento que revolucion­ou a alta gastronomi­a na França, e um estágio em seu restaurant­e passou a ser considerad­o um importante rito de passagem para jovens ambiciosos aspirantes a chefs. Por ali passaram

Jean-Georges Vongericht­en e Daniel Boulud. Anos mais tarde, ele negaria a nouvelle cuisine, como quando afirmou ao Wall Street Journal que o movimento era mais ligado ao preço dos pratos que à receita.

O francês foi nomeado o “cozinheiro do século” pelo icônico guia de restaurant­es francês Gault & Millau. Em 2011, o Instituto de Culinária da América, centro de excelência gastronômi­ca dos Estados Unidos, também considerou o chef francês como o maior nome da gastronomi­a no século, abrindo um restaurant­e com seu nome.

A influência de Bocuse na gastronomi­a mundial é tão forte que foi escolhida para representa­r a França no Epcot Center, parque da Disney, onde inaugurou o restaurant­e Les Chefs de France em 1982.

Era uma figura midiática, constantem­ente presente em programas de televisão. Dizia que “há de se tocar o tambor da vida”. Em 1987, criou o concurso mundial Bocuse D’Or, realizado a cada dois anos e conhecido como a Copa do Mundo da gastronomi­a. Em 1990, fundou o Instituto Paul Bocuse, que se tornou uma das escolas de gastronomi­a e hospitalid­ade mais importante­s do mundo.

Pupilos no Brasil. Bocuse teve papel fundamenta­l também para a gastronomi­a brasileira, ao indicar dois de seus pupilos, Laurent Suaudeau e Claude Troisgros, para comandarem projetos no País.

“Mr. Paul foi meu padrinho a vida inteira. Desde os 8 anos de idade, quando assinei meu primeiro contrato de trabalho no L'Auberge du Pont de Collonges, ele acreditou em mim e sempre me apoiou”, afirma Claude Troisgros.

Suaudeau, que veio ao Brasil em 1979 para a assumir a cozinha do Hotel Meridien no Rio de Janeiro, destaca sua imensa generosida­de. “Eu o levo pessoalmen­te no meu dia a dia. Ele era um homem que confiava no jovem, em sua capacidade, que gostava de ver o progresso das pessoas e chancelava o talento do profission­al, não importava raça, cor, origem ou crença. Ele sabia detectar com muita força o talento em cada pessoa que encontrava”, diz.

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LAURENT CIPRIANIA/AP Revolucion­ário. Paul Bocuse mudou a gastronomi­a mundial. Seu restaurant­e em Collonges-au-Mont-d'Or mantém três estrelas Michelin desde 1965

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