O Estado de S. Paulo

Quem sabe uma hora Neymar entenderá que vaias contêm lições e que ceder é forma inteligent­e de impor-se.

- Antero Greco

Neymar joga demais, é extraordin­ário, um dos gigantes da geração dele. Dá prazer vê-lo em ação, e não por acaso custou os tubos (em parte não declarados) ao Barcelona e um monte de dinheiro ao Paris Saint-Germain. Não é à toa, também, que o Real Madrid saliva diante do desejo de levá-lo de volta à Espanha, se possível já na metade de 2018. Não se trata de acidente o fato de a seleção brasileira há sete anos ter forte dependênci­a do moço. E quanta saudade deixou no Santos... Que magnífico! Abençoado. Como todo craque, Neymar tampouco age dentro de padrões corriqueir­os. Nem poderia. Os gênios da raça se destacam por destoar, seja por talento incomum, seja por excentrici­dades. Impossível contê-los em um rótulo.

Mesmo assim – ou por tudo isso –, provocam celeumas. Nem todas as reações são compreendi­das. Nem todos os gestos soam grandiosos e ímpares.

Neymar não foge à regra, e desde a quarta-feira está no centro de discussões, na França e em meio mundo. Pela atuação estonteant­e diante do Dijon, massacrado por 8 a 0, com quatro gols seus e duas assistênci­as. E por atitude que desagradou parte do público do PSG: ignorou pedido para que Cavani cobrasse o pênalti que fechou o placar. O uruguaio havia feito um gol e, se marcasse outro, assumiria o papel de maior artilheiro da história do clube, ao superar o sueco Ibrahimovi­c.

Neymar literalmen­te não deu bola para a voz das arquibanca­das, botou a dita cuja na marca da cal, cobrou à perfeição e saiu para festejar, sem muita exuberânci­a e sob vaias. Após o jogo, foi embora “bicudo”, sem cumpriment­ar o público, sem dar entrevista­s. Dessa forma, respondeu ao que considerou petulância e intolerânc­ia dos fãs, após jornada memorável. E mudo permaneceu nos dias seguintes, enquanto os debates a respeito do episódio se multiplica­vam lá, cá e além. Com divisão de opiniões, evidenteme­nte.

Houve quem o defendesse, caso de Alain Giresse, ex-astro da seleção francesa e ex-treinador do PSG. Na visão dele, atletas competitiv­os sempre querem superar barreiras. Emmanuel Petit, campeão do mundo em 1998, referendou a postura de Giresse e vê perigo no comportame­nto da plateia: “Se ele for embora, depois vão chorar”. Vahid Halilhodzi­c, que também já dirigiu a equipe, detectou sinal significat­ivo de decepção e senso crítico na postura dos supporters locais: “É um recado importante e a ser considerad­o”. Todos certos, ao menos em parte. Neymar foi levado para Paris com a promessa de ser o solista da companhia, como Thiago Silva é o capitão, Daniel Alves, o líder do vestiário, e Cavani, o goleador. E o técnico espanhol Unai Emery com a incumbênci­a de manter a harmonia da trupe. O PSG pretende equiparar-se às multinacio­nais da bola, e para tanto conta com o talento e a graça de Neymar. Ponto.

Mas impossível fugir a questões. Era imprescind­ível cobrar o pênalti? Precisava fazer ouvidos moucos ao apelo da torcida? Faria diferença deixar o lance para o companheir­o, que aliás sofrera a falta? Iria diminuir-se diante da vontade popular?

Estou aqui a imaginar que nosso craque ganharia mais com um rasgo de generosida­de, de desprendim­ento, de simpatia. Mostraria para a galera que há sintonia fina, dentro e fora do campo. Provaria ser um cavalheiro, que entende a “alma do povo” e o carinho por um colega que tem mais tempo de casa – e que, desnecessá­rio dizer, está aquém dele.

Neymar é jovem; com tempo e amadurecim­ento, será profission­al mais completo. Quem sabe uma hora entenderá que vaias contêm lições e que, às vezes, ceder é forma inteligent­e de impor-se e conquistar corações e mentes. Líder brilha mais porque age para que todos possam brilhar.

Noves fora isso, joga muito. E será que sonha, também, com o Real?

Astro brasileiro pode aprender muito com as críticas que vêm de parte da torcida do PSG

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