O Estado de S. Paulo

FUKUSHIMA E O FANTASMA DE CHERNOBYL

Região tenta se reerguer sete anos após a maior tragédia nuclear do Japão

- Ricardo Grinbaum

Quase 7 anos após o desastre nuclear, Fukushima, no Japão, distancia-se do fantasma de Chernobyl, onde pouco se fez além de cobrir o reator com uma tampa de concreto, informa Ricardo Grinbaum.A descontami­nação no país avança ao custo de US$ 20 bilhões anuais, mas falta se livrar do combustíve­l derretido de 3 reatores, o que pode levar até 40 anos.

Masao Uchibori, governador da Província de Fukushima, conta dia a dia a passagem do tempo desde que três reatores da usina nuclear Fukushima Dai-Ichi explodiram há quase sete anos, espalhando uma nuvem de poeira radioativa pela região. “2416 dias já se passaram”, disse Uchibori, em uma apresentaç­ão recente na Casa do Japão, em São Paulo. “Muitas coisas já foram feitas, mas ainda sofremos na carne os efeitos do acidente. Vivemos entre a luz e a sombra.”

O acidente ocorreu em 11 de março de 2011, data que está para os japoneses como o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 para os americanos. Primeiro, o Japão foi atingido por um terremoto de 9 graus na escala Richter. Em seguida, um tsunami com ondas de 10 metros passou por cima das cidades costeiras no nordeste do país. A montanha de água invadiu a usina e destruiu o sistema interno de geração de energia. Sem eletricida­de, não foi possível resfriar o combustíve­l nuclear.

As autoridade­s dizem que a radiação liberada foi pequena e nenhum morador adoeceu ou morreu. Mas a

“Muitas coisas já foram feitas, mas ainda sofremos na carne os efeitos do acidente. Vivemos entre a luz e a sombra” Masao Uchibori GOVERNADOR DA PROVÍNCIA DE FUKUSHIMA

vida nunca voltou ao normal. Antes do acidente, a Província de Fukushima tinha 2 milhões de habitantes. Era conhecida como uma área tranquila e turística, que preservava o jeito tradiciona­l

do Japão, belas paisagens de montanhas, castelos de samurais e comida de boa qualidade, principalm­ente arroz, pescados e frutas.

Apesar de toda a campanha do governo para dizer que não há mais riscos, a população encolheu e está hoje em 1,8 milhão de habitantes. Mais de 50 mil pessoas vivem na condição de refugiados, em residência­s provisória­s, com auxílio financeiro de Tóquio. O governo fala em cortar os subsídios para forçá-las a voltar às cidades de origem, mas muitos resistem porque têm medo dos efeitos da radiação.

Em algumas cidades, a população correspond­e a apenas 3% da que havia antes do acidente. “Ainda não recuperamo­s a confiança da comunidade da área da usina”, diz Stauro Toyomoto, diretor de assuntos internacio­nais da Agência de Recursos Naturais e Energia do Japão.

O Japão faz um grande esforço para não repetir em Fukushima a experiênci­a russa do acidente nuclear de Chernobyl. Em Chernobyl, o governo cobriu o reator com uma tampa de concreto e tocou a vida adiante. Já o governo japonês prometeu desmontar a usina, descontami­nar a região e trazer a população de volta. “O governo definiu que terá a natureza de volta”, diz Noriuchi Tadashi, da agência de reconstruç­ão de Fukushima. Mas ninguém sabe ao certo quando a tarefa será concluída.

A descontami­nação dos campos e das cidades é um empreendim­ento gigantesco. Uma camada do solo de toda área usada para plantações foi arrancada, embalada em sacos de plástico preto e está empilhada em áreas de depósito provisório de lixo atômico. Pés de pera e pêssegos foram lavados um a um, assim como 418 mil casas e 11.500 instalaçõe­s públicas, que levaram um banho para tirar a poeira radioativa. Segundo autoridade­s, a área contaminad­a pela radiação, que chegou a 30% da província, hoje correspond­e a 3%.

Os gastos são de US$ 20 bilhões por ano. Hoje, o principal desafio é como tirar o combustíve­l nuclear derretido dos três reatores mergulhado­s na água para resfriar. Nunca foi feito um trabalho como esse antes. Cientistas japoneses e estrangeir­os se uniram para arrumar uma solução, mas os avanços são lentos. Em novembro, pela primeira vez, um robô driblou os escombros, resistiu às altas doses de radiação e enviou imagens dos bastões derretidos de combustíve­l nuclear de um dos reatores. Mas o próximo passo é visto com cautela.

Ninguém arrisca dizer quanto tempo mais será necessário para desarmar a armadilha nuclear. Estima-se que pode levar de 30 a 40 anos. Enquanto isso, as autoridade­s terão de arrumar uma solução sobre o que fazer com a água usada para resfriar os reatores, que se acumula em tanques gigantesco­s na área da usina. A população local não aceita que a água seja jogada no mar, apesar de o governo garantir que já não está mais contaminad­a. Além disso, é preciso arrumar abrigo definitivo para o lixo radioativo do campo.

Para especialis­tas, o nível de radiação presente hoje no ambiente é baixo. “O risco potencial à saúde dos moradores diminuiu bastante, talvez só afete os empregados da usina, mas a empresa deve tomar as precauções necessária­s”, disse ao Estado David Lochbaum, cientista especializ­ado em energia nuclear, autor do livro Fukushima: The Story of a Nuclear Disaster, em que denuncia erros e omissões que levaram ao acidente.

O estigma, porém, continua forte. Antes do acidente, a exportação de alimentos era de 152 toneladas por ano. Agora, depois de um imenso esforço para convencer outros países a reduzir as restrições, está em 66 toneladas. Mesmo no Japão, os preços de alguns produtos de Fukushima são mais baixos do que os de outras províncias porque parte dos consumidor­es desconfia da qualidade da comida.

Os turistas voltaram às montanhas, cidades históricas e termas de Fukushima, mas as visitas correspond­em a 90% do que eram antes do acidente. Enquanto isso, o turismo no restante do Japão cresceu 846%, com a chegada dos chineses.

O turismo e a produção de comida eram fundamenta­is na economia de Fukushima. Agora, a província quer dar a volta por cima com novas indústrias. Com os reatores desligados, aposta em usinas eólicas e geotérmica­s para chegar a 100% de energia de fontes renováveis até 2040. A província planeja instalar indústrias de alta tecnologia e campos de testes de robôs nas cidades costeiras. E quer exportar alimentos com selo de qualidade internacio­nal. Mas ainda há uma grande área de sombra e desconfian­ça. “Nossa palavra-chave é desafio”, diz o governador Uchibori.

O JORNALISTA RICARDO GRINBAUM VIAJOU PARA FUKUSHIMA A CONVITE DO GOVERNO JAPONÊS

 ??  ?? Tragédia. Reator nuclear da usina de Fukushima, em junho de 2017: acidente causado por um terremoto seguido de tsunami, em marco de 2001
Tragédia. Reator nuclear da usina de Fukushima, em junho de 2017: acidente causado por um terremoto seguido de tsunami, em marco de 2001
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Risco. Robô usado para achar combustíve­l nuclear é testado no Japão

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