O Estado de S. Paulo

Embrapa escreveu uma história de orgulho, mas agora está fragilizad­a porque se nega a admitir que não é mais a mesma.

- Celso Ming

Muita coisa no setor público lembra um verso de Belchior cantado por Elis Regina: “O passado é uma roupa que não nos serve mais”. É, por exemplo, o caso da Embrapa.

Criada em 1973, a Embrapa cresceu, virou referência em pesquisa agropecuár­ia e ganhou posição de destaque na consolidaç­ão do agronegóci­o brasileiro. Escreveu uma história de orgulho, mas agora está fragilizad­a porque se nega a admitir que não é mais a mesma.

No último dia 5, o sociólogo Zander Navarro, ainda como pesquisado­r da Embrapa, fez críticas aos rumos da empresa, em artigo no Estadão. Apontou excessos, de burocracia e de pesquisas em desenvolvi­mento, mais de 1,1 mil. Dias depois, foi demitido, sem justificat­iva pública. Entre os gestores da estatal, circulou documento em que o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, alegou “comportame­nto irresponsá­vel e destrutivo” por parte de Navarro.

Desde o tempo dos profetas do Antigo Testamento sabe-se que o corporativ­ismo não gosta de críticas e quase sempre se defende com atitudes autoritári­as. O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro de Camargo Neto, é um dos que denunciam o comportame­nto: “A Embrapa, tão elogiada no passado, agora acha que não deve prestar contas para a sociedade”. Para ele, o artigo teve o mérito de expor graves problemas.

Já havia sinais de alguns desses problemas por aí. Em entrevista­s recentes, o próprio presidente da Embrapa admitiu que o desenvolvi­mento da pesquisa agropecuár­ia do Brasil ficara para trás e recomendou que a empresa encontre novas fontes de financiame­nto para não depender só de verbas públicas. O orçamento da empresa, de R$ 3,3 bilhões por ano, provém do Tesouro. Hoje, cerca de 70% da receita vai para o pagamento dos funcionári­os, dos quais apenas 45% são pesquisado­res e técnicos.

Especialis­ta na área agro, o economista José Roberto Mendonça de Barros adverte que as críticas de Navarro têm grande importânci­a, ainda que possam ter fugido do tom. E acrescenta que o maior problema da Embrapa é de governança. “A empresa tem história respeitáve­l, mas precisa assumir novas prioridade­s. Mantém número excessivo de trabalhos teóricos, que deveriam ser das universida­des, mas se afasta das pesquisas aplicadas, seu verdadeiro objetivo. É preciso repensar o incentivo aos pesquisado­res.”

O professor da Faculdade de Economia da USP Decio Zylberszta­jn admite que a Embrapa já não é a mesma, mas não pode ser apontada como origem dos males da pesquisa no agronegóci­o brasileiro. Para ele, a Embrapa é vítima de problema mais amplo: a falta de uma política nacional de incentivo à pesquisa. Essa é a principal razão pela qual a rede pública de ensino superior não produz estudos convergent­es que tenham alguma relevância internacio­nal.

O ex-ministro da Agricultur­a Alysson Paolinelli, um dos criadores da Embrapa, não quer acirrar os ânimos: “Sou bombeiro, que procura apagar o incêndio antes que se espalhe”. Para ele, as críticas podem restringir o fôlego de que a empresa precisa para avançar.

Resta saber se evitar o debate e punir autoritari­amente os críticos não produzem efeito contrário: em vez de acabar com os focos de fogo, jogam mais lenha na fogueira.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil