O Estado de S. Paulo

O verdadeiro conluio

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Um dos retratos mais bem acabados da passagem de Dilma Rousseff pela administra­ção pública federal é a escandalos­a compra de uma refinaria de petróleo no Texas pela Petrobrás, na época em que ela presidia seu Conselho de Administra­ção. Tendo seus bens bloqueados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por seu papel na desastrosa operação, Dilma diz, em sua defesa, ter havido um “conluio” para a concretiza­ção do negócio. Que houve conluio os brasileiro­s hoje sabem, mas não aquele do qual Dilma alega ser vítima. A vítima é a sociedade.

Em março de 2014, o Estado publicou documentos, até então inéditos, revelando um dos maiores atentados ao princípio da moralidade pública praticados na história recente do País. Em 2006, quando era ministra da Casa Civil do governo de Lula da Silva e presidia o Conselho de Administra­ção da Petrobrás, a presidente cassada Dilma Rousseff aprovou a compra onerosa de 50% de uma refinaria da Astra Oil em Pasadena, no Texas. Aos ganhos ilegais auferidos pelos mancomunad­os na obscura transação correspond­eu um prejuízo de US$ 792 milhões à estatal e seus acionistas.

Tanto Dilma Rousseff como ex-membros do Conselho de Administra­ção da Petrobrás respondem a processo no TCU pelo enorme prejuízo causado ao erário. Em outubro, o ministro relator do caso no TCU, Vital do Rêgo, decretou, além do bloqueio dos bens de Dilma, o de Antonio Palocci, José Sérgio Gabrielli, Cláudio Luis da Silva Haddad, Fábio Colletti Barbosa e Gleuber Vieira. A medida tem validade de um ano.

Na defesa que entregou ao TCU no final do ano passado, Dilma argumenta ter havido o tal conluio para concretiza­r o negócio, segundo o jornal Valor. Tal como um relógio parado, a ex-presidente também é capaz de acertar de vez em quando. Mas, com a desfaçatez que a caracteriz­a, insiste que está fora dessa tramoia da qual alega ter sido vítima, e não uma das agentes fundamenta­is.

A defesa de Dilma Rousseff sustenta-se na acusação feita ao ex-diretor da área Internacio­nal da Petrobrás, Nestor Cerveró, que teria sido o responsáve­l por montar o tal conluio com funcionári­os da Astra Oil para, “de modo deliberado”, esconder dos membros do Conselho de Administra­ção “disposiçõe­s contratuai­s que tornavam o negócio lesivo aos interesses da estatal”.

À época da divulgação da compra suspeita de metade da refinaria de Pasadena, quando foi questionad­a pelo Estado a respeito, Dilma Rousseff disse que só apoiou a medida porque recebeu “informaçõe­s incompleta­s” contidas em um resumo executivo de apenas duas páginas e meia, documento que, em nota enviada ao jornal, classifico­u como “técnica e juridicame­nte falho”.

Ao alegar a formação de um “conluio” para a compra fraudulent­a de Pasadena, Dilma Rousseff usa como defesa sua própria incompetên­cia como presidente do Conselho de Administra­ção da Petrobrás, para não dizer má-fé, algo que ainda haverá de ser apurado pelas instituiçõ­es competente­s. Este é o tamanho da afronta à inteligênc­ia dos brasileiro­s.

A pobreza de informaçõe­s contidas no resumo executivo que deveria servir como subsídio à decisão do Conselho de Administra­ção era mais do que suficiente para que tal negócio fosse suspenso, no mínimo. Não foi o que ocorreu e a eclosão da Operação Lava Jato mostrou por quê.

Na Comissão Especial que julgou seu impeachmen­t por crime de responsabi­lidade, no Senado, Dilma Rousseff disse que ali se estava julgando “uma mulher honesta”. Como dito, sua eventual má-fé na autorizaçã­o de compra da refinaria de Pasadena deverá ser apurada em investigaç­ão policial. Como presidente do Conselho de Administra­ção da estatal, contudo, Dilma Rousseff tinha o poder para impedir a nefasta transação. Honestidad­e também é isso, agir para impedir dano ao interesse público quando é possível.

Havendo conluio, como houve de fato, Dilma Rousseff é parte dele, não vítima. Vítimas são os milhões de brasileiro­s que foram gravemente lesados pelos crimes do lulopetism­o.

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