O Estado de S. Paulo

VOCÊ COMERIA ARROZ DE FUKUSHIMA?

Japão tenta convencer outros países de que alimentos da região são seguros

- Ricardo Grinbaum

Você comeria arroz produzido em Fukushima? O Japão quer convencer os países que ergueram barreiras aos alimentos produzidos na província de que não há mais problemas. O acidente ocorreu depois que um tsunami invadiu as instalaçõe­s da usina, em 11 de março de 2011, destruiu os geradores de energia usados para resfriar o combustíve­l nuclear e provocou a explosão de três reatores. Uma nuvem de poeira radioativa escapou para a região vizinha e água contaminad­a vazou para o Pacífico.

Nos últimos anos, o vazamento radioativo foi contido, o governo raspou o solo usado para a produção de arroz e lavou cada pé de pera e pêssego da região. Agora, os produtores rurais e pescadores travam uma batalha para provar que os alimentos são saudáveis.

Mais de 40 países adotaram algum tipo de barreira contra produtos de Fukushima depois do acidente. De lá para cá, 24 já removeram as restrições, segundo o Ministério de Negócios Exteriores do Japão. Em novembro, a União Europeia decidiu aliviar as barreiras, mas países vizinhos como Coreia do Sul, China, Taiwan e Cingapura mantêm as restrições, principalm­ente aos frutos do mar.

O Brasil adota restrições desde a época do acidente, com exigência para que cada alimento apresente análise laboratori­al sobre a presença dos elementos radioativo­s césio 134 e césio 137. Segundo a Anvisa, a política pode ser revista “com base em dados atualizado­s de monitorame­nto dos níveis de radionuclí­deos nos alimentos provenient­es de Fukushima a serem apresentad­os pelas autoridade­s japonesas”.

O governo japonês está em campanha para provar que os efeitos do acidente ficaram para trás. No fim do ano, levou um grupo de jornalista­s de cinco países, incluindo o Estado, para uma visita aos produtores e laboratóri­os de testes de alimentos de Fukushima.

Na cidade de Motomiya, a 60 quilômetro­s da usina, os produtores estão ansiosos para provar que superaram o acidente. “Os fazendeiro­s continuam a produzir, mas precisam de mercado, temos de convencer o mundo de que nossa produção é segura”, diz Endou Katsou, chefe do posto de fiscalizaç­ão de arroz na cidade.

Para tranquiliz­ar os consumidor­es, toda saca de arroz produzida na região de Fukushima passa por equipament­os que medem a radiação – 10 milhões de sacos de arroz são inspeciona­dos por ano. Segundo autoridade­s, desde 2015 não foi encontrada nenhuma amostra com radiação acima de 100 Bq por quilo (padrão de segurança japonês). Cada saco de arroz tem um código de barras para que sua origem possa ser rastreada pelos consumidor­es, incluindo o registro do teste de radiação.

Desde o acidente, foram realizados mais de 1,73 milhão de testes de alimentos, segundo o governo. No entanto, nem os próprios japoneses têm confiança. Pesquisas mostram que 13% dos consumidor­es têm medo de comprar comida e um terço não sabe que os alimentos da província são monitorado­s.

A situação mais complicada é a dos pescadores. É impossível descontami­nar o mar como se fez nas plantações de arroz. Na época do acidente, vazaram 520 toneladas de água contaminad­a por seis dias. Para evitar novos vazamentos radioativo­s, foi construída uma parede de gelo ao redor de usina.

Não há mais registros de radiação na água. Mas os peixes que foram contaminad­os continuara­m circulando. A pesca foi praticamen­te proibida na região. Recentemen­te, os pescadores voltaram à atividade, mas com um tom de cautela. Ali não se fala que a pesca voltou, mas que está em fase “experiment­al”.

Na cidade de Soma, os pescadores estão voltando à ativa, mas não saem todos os dias para o mar. Em abril, retomaram a venda dos peixes por leilão. Quando chegam ao porto, deixam a mercadoria em bandejas, para que comerciant­es façam suas ofertas em pedaços de papel. Quem pagar mais leva, embora o peixe ainda não esteja pronto para consumo. Antes disso, técnicos da cooperativ­a dos pescadores retiram peixes das bandejas e levam para um laboratóri­o. Ali, são cortados e colocados em uma máquina de chumbo, onde se faz a medição da radiação. Se for detectado algum problema, eles são recolhidos.

“Aqui era uma ótima região para a pesca, porque atrai peixes de corrente quente, do sul, e fria, do norte”, diz Fujita Tsuneo, diretor da estação experiment­al de pesca em Soma. “Agora, nossa pesca se limita a 8% do que era antes do acidente.” Segundo ele, a geração de peixes contaminad­a pelo acidente ficou velha, morreu, e os filhotes não apresentam sinais de radiação. Das 100 espécies banidas para pesca em 2011, 11 continuam proibidas.

A Agência de Reconstruç­ão de Fukushima diz que, nos últimos anos, nenhuma amostra de arroz, vegetais, frutas ou pescados excedeu os limites de radiação estabeleci­dos pelo Japão, hoje mais rigorosos que os internacio­nais. As exceções foram cogumelos selvagens (0,26% das amostras) e peixes de rios (0,69%) das áreas de florestas onde é restrita a produção de alimentos.

A Organizaçã­o da ONU para Alimentaçã­o e Agricultur­a (FAO) fez análises com a Agência Internacio­nal de Energia Atômica (AIEA) e referendou os controles. “A comida de Fukushima é segura, mas continuare­mos monitorand­o para certificar que continue assim”, disse a FAO, em nota ao Estado. O esforço, porém, não foi suficiente para apagar o estigma do nome de Fukushima. O JORNALISTA RICARDO GRINBAUM VIAJOU PARA FUKUSHIMA A CONVITE DO GOVERNO JAPONÊS

 ??  ?? 1. Leilão de peixes no porto de Soma
1. Leilão de peixes no porto de Soma
 ??  ?? 2. Testes em alimentos para checar nível de radioativi­dade
2. Testes em alimentos para checar nível de radioativi­dade
 ??  ?? 3. Sacos de arroz passam por máquina que mede radiação na Província de Fukushima
3. Sacos de arroz passam por máquina que mede radiação na Província de Fukushima

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