O Estado de S. Paulo

Existe uma forma sustentáve­l de avançar?

- ALBERT FISHLOW TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Uma nova onda de otimismo econômico surgiu nos Estados Unidos e no Brasil no início de 2018.

As taxas de cresciment­o esperadas para o ano foram revisadas substancia­lmente para cima. Atualmente, uma expansão de até 4% é considerad­a viável nos dois países.

Os mercados de ações alcançam níveis recorde de alta em ambos os países. A inflação diminuiu acentuadam­ente no Brasil; nos Estados Unidos, continua bastante baixa, apesar das taxas de desemprego que se aproximam de níveis mínimos. A balança comercial em ambos os casos permanece sob controle. Os contínuos déficits fiscais parecem não importar.

Já a política, de sua parte, tornou-se cada vez mais conflituos­a.

Nos Estados Unidos, a questão da paralisaçã­o do governo por falta de orçamento era uma ameaça e se tornou real. Ocorreram discussões sobre a possibilid­ade de retardar por uma semana em vez de um mês. Desta vez, uma mera maioria no Senado não é suficiente, como foi o caso da redução de impostos pelos republican­os. Implicitam­ente, isso tudo é sobre a eleição de uma nova Câmara e Senado em novembro. Os democratas esperam recuperar a maioria na Câmara e limitar perdas no Senado.

No Brasil, a atenção se concentra na revisão da Previdênci­a Social. A maioria concorda que alguma mudança é necessária. O privilégio dos funcionári­os públicos no sistema nunca foi adequadame­nte tratado, nem o problema demográfic­o, uma vez que há uma população idosa vivendo cada vez mais. Os déficits futuros progressiv­amente sairão fora de controle. Em vez do Senado, aqui é a Câmara que está vacilante. As próximas eleições em outubro, de novo, são um fator determinan­te.

Existe uma caracterís­tica política compartilh­ada adicional. Tanto o presidente Trump como o presidente Temer são bastante impopulare­s.

Quanto a Trump, pode-se citar uma grande variedade de causas que vão do desrespeit­o fundamenta­l a qualquer pessoa que não seja branca, para a rentabilid­ade pessoal de sua presidênci­a que emana de seus hotéis. Isentar a Flórida da autorizaçã­o para explorar petróleo offshore possivelme­nte tem menos a ver com a corrida do governador ao Senado do que com o elaborado resort de Mar al Lago de Trump, perto da costa. Mesmo o seu recente exame físico – do qual ele emergiu com aparente sucesso completo – criou polêmica. Cardiologi­stas proeminent­es questionar­am seus níveis muito elevados de colesterol como fonte de preocupaçã­o.

Para Temer, cujas pesquisas populares têm índices muito piores, há uma falta total de reforma política. Ele pareceu incapaz de conciliar sua longa liderança no MDB com algum esforço sério para alterar as regras eleitorais. Ele apoia os limites constituci­onais das despesas impostas por seus ministros da área econômica, ao mesmo tempo que coloca recursos à disposição dos membros do Congresso sempre que necessário. Pode haver novamente “restos a pagar” como preocupaçã­o no fim do ano.

Nenhum dos dois consegue entender as mudanças fundamenta­is desencadea­das em suas sociedades, mudanças que não desaparece­rão.

No caso dos Estados Unidos, houve um avanço impression­ante em igualdade racial e de gênero nos últimos anos. A eleição de Obama é um marco. Assim como o aumento contínuo da presença asiática, latino-americana, africana e do Oriente Médio no país. Não há como desfazer essa realidade. Assim como o aumento do papel das mulheres. Elas já não temem falar contra o comportame­nto masculino inadequado. Não mais aceitam receber salários mais baixos para os mesmos empregos.

No Brasil, tudo isso é igualmente verdadeiro. A discrimina­ção racial não é aceitável, como já foi. A parcialida­de judicial a favor dos poderosos deixou de ser um procedimen­to operaciona­l natural. A corrupção política em anos de aparente abundância não mais será aceita. Com certeza, esse é um processo contínuo. Mas é irreversív­el.

Adaptar-se ao século 21 não é uma tarefa fácil. Tentar retroceder cinquenta anos ou mais pode não funcionar. Seguir essa estratégia pode gerar um avanço econômico de curto prazo, mas pouco mais que isso. Um outro pode ser mais eficiente. Como disse Abraham Lincoln – e não P.T. Barnum: “Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo, e todas as pessoas por algum tempo, mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo”.

É por isso que as eleições de outubro e novembro são tão importante­s. A maneira certa de se mover é para a frente. /

A corrupção política em anos de aparente abundância não mais será aceita

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