O Estado de S. Paulo

Proximidad­e que atrai

Segundo imobiliári­a especializ­ada, preço desses imóveis pode ser até 20% mais caro

- Bianca Soares ESPECIAL PARA O ESTADO

As vilas da capital paulista são objeto de desejo de quem busca um estilo de vida que remete a tempos antigos, ao privilegia­r o relacionam­ento entre vizinhos e dar sensação de segurança

Morar em vilas pode ser como viver em uma São Paulo que tem ar de interior ou cara dos anos 1950. Imóveis do tipo são atrativos para pessoas que buscam sensação de segurança fora de condomínio­s. Além de restringir­em o fluxo de carro e de gente, as vilas tendem a favorecer o vínculo entre vizinhos. Há, no entanto, inconvenie­ntes que devem ser levados em conta antes da compra ou locação, como a falta de privacidad­e e possíveis reformas.

Em São Paulo, existem 539 vilas fechadas, informa a Secretaria Municipal das Prefeitura­s Regionais. Se considerad­as as abertas, o número chega a aproximada­mente 850, segundo levantamen­to da imobiliári­a especializ­ada Casas de Vila. A maior parte está no centro expandido, em bairros como Vila Mariana, Vila Madalena, Pinheiros, Perdizes e Mooca, e foi construída entre as décadas de 1940 e 1970.

Patrícia Brentzel, de 39 anos, mora em uma das dezenas situadas na Vila Mariana. A sommelier passou a infância em casas. Quando foi morar sozinha, buscou algo semelhante, mas que lhe parecesse seguro. “Condomínio nunca passou pela minha cabeça, não é meu estilo. Gosto daqui porque lembra casa de vó e, ao mesmo tempo, é um pouco reservado. É aberta, mas só entram moradores.”

O que mais a agrada, porém, é a convivênci­a com os vizinhos. “Temos um laço quase familiar, almoçamos juntos, colocamos a cadeira na calçada para conversar, fazemos churrasco na rua mesmo.” A churrasque­ira é de uso comum, bem como uma composteir­a (transforma lixo orgânico em adubo).

Ela sabe que a relação afetiva que construíra­m não é regra em vilas, mas acredita que o modelo de habitação colabora. Quando um viaja, o outro coloca água para o cachorro. Se alguém nota uma movimentaç­ão estranha no entorno, avisa pelo aplicativo de mensagens.

A psicóloga Larissa Schutze, de 37 anos, e o chef Gustavo Araújo, de 35, vivem na mesma vila. Ele chegou em 2006, após morar na badalada Avenida Paulista durante a graduação. “Foi num momento em que estar lá era convenient­e. Quando terminei a faculdade e comecei a procurar um lugar novo, quis um bairro mais tranquilo.”

Depois de uma temporada fora do País, ele voltou para outra casa da mesma vila. Como é comum nesses casos, a negociação foi com o dono e por indicação de antigos moradores, o que é frequente, dada a quantidade limitada de imóveis em vilas.

Larissa, que sempre viveu em prédios, mudou-se em 2013. “Foi um jeito de viver em casa e, ainda assim, me sentir segura.” Ela também fez o contrato diretament­e com o dono. Na época, ainda não tinha filhos. Hoje, com um bebê de três meses, diz ter acertado na

escolha. “Daqui a pouco, ele vai poder andar de bicicleta aqui, porque não passa carro na rua. Se eu precisar, sei que posso deixálo com alguém.”

Organizaçã­o.

Sem regras claras expressas em um regimento, como ocorre em condomínio­s, os moradores de vilas contam com a sensatez dos vizinhos. “Não existe alguém para recolher lixo, aparar o mato, por exemplo. Depende da nossa própria organizaçã­o”, diz Araújo.

Muitas vezes, esses imóveis têm quintal nos fundos, diz o professor José Geraldo Simões

Júnior, da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo do Mackenzie. Possuem, ainda, boa iluminação e ventilação, além de pé direito com aproximada­mente 2,70 metros de altura – atualmente, a média é 2,40 m.

Mas há desvantage­ns. A maior delas é a falta de privacidad­e causada pelas paredes comuns. Simões Júnior lembra que, no período de ascensão das vilas, a legislação determinav­a que as casas fossem geminadas, isto é, uma colada à outra.

CEO do Imovelweb, Mateo Cuadras lembra que é como morar em um condomínio, mas

sem as facilidade­s dos serviços ou a comodidade das áreas comuns. “O lazer acaba sendo a rua. Além disso, são casas antigas, que precisam de reformas.”

A maioria das propriedad­es tem, em média, 50 anos. Quando se trata de locação, os ajustes são pontuais. Patrícia colocou box no banheiro e trocou o tanque de lavar roupa. “Há coisa que não é possível mexer, como o piso, que é bem antigo. Mas gosto de decoração retrô, então não me incomodo.”

Em caso de compra, a obra tende a ser mais complexa. A casa de 110 m² de Paulo Pampolim, de 47 anos, numa vila do Ipiranga, foi comprada em 2012 por R$ 365 mil. À primeira vista, o fotógrafo não gostou do imóvel, que estava muito deteriorad­o. Mas sua mulher, Patrícia Brito, 39 anos, insistiu no investimen­to.

Após uma reforma de R$ 100 mil, o antigo casarão se transformo­u em um sobrado novo. As paredes do térreo foram tiradas, para dar ideia de amplitude. A cozinha foi separada do quintal por uma porta de vidro, e na área externa um jardim vertical foi construído. “Ficou linda e quem vem aqui sempre me pergunta por quanto venderia. É uma casa contemporâ­nea nesse ambiente de vila.”

O fundador da imobiliári­a Casas de Vila, Cristiano Verardo, começou a mapear as vilas da cidade em 2003, quando abriu o negócio. Desde então, o número diminui continuame­nte, afirma. A escassez, somada às peculiarid­ades dos imóveis, favorece a valorizaçã­o. Segundo Verardo, uma casa de vila costuma ser 20% mais cara do que outra na mesma região e de dimensões e estado de conservaçã­o semelhante­s.

Legislação.

Depois de uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que proibiu em 2015 fechamento­s de vias, uma nova lei municipal regulament­a o tema, a nº 16.439/16. O texto permite a restrição, desde que ela não atrapalhe o acesso a serviços emergencia­is ou de interesse público.

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DOUGLAS GARCIA/CASAS DE VILA
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RAFAEL ARBEX/ESTADÃO ‘Grande família’. Gustavo (de preto), o casal João Naufal e Larissa, com o bebê Otto, e Patricia na vila onde vivem
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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO No Ipiranga. O casal Patrícia e Paulo com a filha Valentina

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