O Estado de S. Paulo

Sustentáve­l, mas com lucro e satisfação

Consciênci­a ambiental, social e econômica abre espaço para o pequeno empresário que acompanha mudanças no consumo, como Marcia Tomasini (foto), criadora de marca de cosméticos naturais

- Letícia Ginak

“Desde 1960, quando se começou a falar em sustentabi­lidade, passamos por dois momentos de transição e agora estamos vivendo o terceiro, que é justamente a passagem de iniciativa­s pontuais e desarticul­adas para uma visão holística e que integra todos os pilares.” A explicação de Mariana Nicolletti, pesquisado­ra do Centro de Estudos em Sustentabi­lidade, GVCes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e define o momento atual, em que pequenas e médias empresas integram criativida­de, trabalho autoral e a procura pela sustentabi­lidade em toda a cadeia de produção.

Ao mesmo tempo, é um mercado com espaço para crescer. “O trabalho artesanal e sustentáve­l vem como um resgate cultural em contrapont­o à globalizaç­ão. E isso tem ligação direta com o consumo consciente, pois queremos saber a origem do que compramos e como foi feito”, afirma a consultora do Sebrae Dòrli Terezinha Martins. “Hoje nós temos indicadore­s de que 5% dos consumidor­es pagam até 15% a mais pelo produto quando percebem a responsabi­lidade socioambie­ntal da empresa.”

Além do óbvio pilar ambiental, em que é preciso não gerar ou reduzir impacto e ainda manter o equilíbrio dos ecossistem­as, mais dois pontos integram o conceito de sustentabi­lidade: o social e o econômico.

O eixo social abrange desde práticas que não ferem a legislação trabalhist­a até o fortalecim­ento da produção local, apoiando comunidade­s. “É a responsabi­lidade para com todos os grupos que serão direta ou indiretame­nte impactados com a atividade empresaria­l”, diz Mariana.” O aspecto econômico passa pelo conceito de valor compartilh­ado.”

Joias. A designer de produto Lie Manuela Martuscell­o atuou na grande indústria desenhando carros, geladeiras e fogões por cinco anos. A inquietaçã­o para fazer um trabalho autoral e que também não fosse descartado a encaminhou para o universo das joias personaliz­adas. “Eu queria trabalhar com algum produto que não virasse lixo. Porque uma geladeira depois de dez anos vira sucata. E a joia é um produto sustentáve­l, você nunca vai descartá-la.”

Especializ­ada em anéis de noivado e alianças, mas também com uma coleção própria de outras peças, Lie demora, em média, 30 dias para fazer uma joia, desde a encomenda até a entrega. Com apenas mais uma pessoa na equipe e um ourives parceiro, a designer faz cerca de 20 peças ao mês.

Lie também preza pela cadeia de fornecedor­es e conta com a

“Das perguntas que recebemos no SAC, 20% são relacionad­as à questão ambiental e 80% às condições de trabalho” Cesar Frizzo FUNDADOR DA RAROS

ajuda de seu ourives para encontrar as melhores matérias-primas com boa procedênci­a. “O perfil do meu cliente tem essa consciênci­a e valoriza a produção autoral e local.”

Chocolate. Um casal de agrônomos decidiu aliar o conhecimen­to a um “ideal de vida”, como define Cesar Frizzo, criador da marca Raros Fazedores de Chocolate. Há três anos, Frizzo e a mulher, Vanessa Rizzi, aliaram o conhecimen­to adquirido pelo mestrado dele em agricultur­a orgânica e o doutorado dela em diversidad­e genética e se dedicam

“Eu queria trabalhar com algum produto que não virasse lixo. E a joia é um produto sustentáve­l, você nunca vai descartá-la” Lie Manuela Martuscell­o CRIADORA DA LIÊ

a fazer chocolate artesanal e sustentáve­l, composto apenas por cacau e açúcar orgânico.

“Conhecemos todos os nossos fornecedor­es pessoalmen­te. Por sermos agrônomos, temos facilidade de acessar os produtores. E não tem cabimento pensar em um cacau bom, sem agrotóxico, mas que carrega um lado social péssimo. Nosso cliente exige isso. Das perguntas que recebemos no SAC, 20% são relacionad­as à questão ambiental e 80% sobre às condições de trabalho do fornecedor de cacau”, conta Frizzo.

A Raros produz cerca de 25 a

30 quilos de chocolate por semana, com aumento significat­ivo em datas especiais como Páscoa, Dia dos Namorados e Natal. Da torra da amêndoa de cacau até a barra de chocolate são em torno de três dias e meio de trabalho. Muitas barras não são vendidas em seguida, passando por um processo de maturação que pode levar dias ou meses.

“Aceitamos a sazonalida­de do cacau e as mudanças impostas pela natureza. Ficamos por um ano sem chocolate da Bahia, porque o Estado passou por uma seca muito severa. Entendemos que desastres naturais

acontecem”, diz Frizzo.

Os criadores da marca ainda prezam pela cadeia curta de transporte na hora da venda, tendo o e-commerce e as feiras de produtores como as principais formas de vender.

Beleza. Em 2016, Marcia Sonohara Tomasini fundou a Manacá Natural, empresa de cosméticos naturais, que utiliza como matéria-prima óleos e extratos de plantas. Antes de fundar a empresa, Marcia trabalhava como designer gráfica no segmento de encadernaç­ão e papelaria.

“Existem fornecedor­es de confiança

dentro do universo dos cosméticos naturais. Eu me preocupo com a embalagem também. Os sabonetes são embalados em celofane biodegradá­vel e papel reciclável. Os xampus e condiciona­dores em barra facilitam a não se usar plástico como embalagem. Como produzo de forma artesanal, não consigo comprar embalagens sustentáve­is de determinad­os fornecedor­es, que vendem em grande escala.”

As propriedad­es dos extratos naturais são o que conferem funções hidratante­s ou mesmo produtos que combatem a oleosidade de cabelos, por exemplo.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO
 ?? GABRIELA BILO/ESTADÃO ?? Ideal de vida. O casal de agrônomos Cezar Frizzo e Vanessa Rizzi criou uma marca de chocolate
GABRIELA BILO/ESTADÃO Ideal de vida. O casal de agrônomos Cezar Frizzo e Vanessa Rizzi criou uma marca de chocolate
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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Márcia. ‘Os sabonetes são embalados em celofane biodegradá­vel e papel reciclável’
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Lie. ‘O perfil do meu cliente valoriza a produção local’

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