O Estado de S. Paulo

Acusação ataca político em estatal

Em julgamento de Lula, advogado contratado como assistente de acusação na Lava Jato vai criticar loteamento de direção da empresa

- Ricardo Brandt

René Ariel Dotti, assistente de acusação do MP contratado pela Petrobrás para a Lava Jato, prega fim dos “políticos profission­ais” em cargos em comissão em estatais.

Na sustentaçã­o oral durante o julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira, o advogado da Petrobrás, René Ariel Dotti, vai defender o fim dos “políticos profission­ais” na direção de estatais como forma de combater a corrupção. O criminalis­ta foi contratado pela empresa como assistente de acusação e auxilia o Ministério Público Federal (MPF) nos processos da Operação Lava Jato.

“Nas mazelas da administra­ção pública, em todos os níveis, a generalida­de dos cargos em comissão é porta aberta para os malsinados cabides de emprego para a prestação de serviços estranhos à função, como é rotineiro em gabinetes de parlamenta­res”, afirmou Dotti, que será o segundo a falar aos desembarga­dores federais da 8.ª Turma Criminal do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. “O fenômeno tornou-se rotineiro na cultura política de aparelhame­nto do Estado, onde não há desemprega­dos.”

O advogado e professor de Direito Penal da Universida­de Federal do Paraná (UFPR) afirmou ao Estado que vai ampliar o debate durante sua sustentaçã­o. “A sociedade civil organizada poderá manifestar-se contra a escolha de políticos profission­ais para assunção de cargos que lhes permita manter a cultura deletéria da distribuiç­ão política de funções públicas. Pretendo repercutir esta tese em minha exposição durante o julgamento. A população certamente aprovará”, afirmou Dotti.

O MPF, a Polícia Federal e a Receita Federal, em quase quatro anos de Lava Jato, mostraram que o loteamento de cargos estratégic­os na Petrobrás durante o governo Lula serviram como forma de garantir apoio dos partidos da base e aliados, de arrecadar propinas para campanhas eleitorais e de propiciar enriquecim­ento ilícito – o rombo estimado é de mais de R$ 40 bilhões. Por meio desse fatiamento, PT, MDB e PP controlava­m diretorias da estatal.

O advogado vai levar à 8.ª Turma Criminal a tese da “necessidad­e urgente” de regulament­ação para o inciso da Constituiç­ão que trata de quem deve ocupar os cargos em comissão no poder público. O inciso V, do artigo 37, estabelece que funções de confiança, “exercidas exclusivam­ente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchido­s por servidores de carreira nos casos, condições e porcentuai­s mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuiçõe­s de direção, chefia e assessoram­ento”.

“O inciso V nunca foi regulament­ado. Urge a regulament­ação com a clara definição das condições para preenchime­nto dos cargos em comissão, eufemismo para designar cabos eleitorais e outros prestadore­s de serviços pessoais”, disse Dotti.

O criminalis­ta vai propor ainda em sua manifestaç­ão oral na tribuna, diante dos três desembarga­dores federais da 8.ª Turma, a necessidad­e de fazer valer a regra do artigo 41, inciso III, da Constituiç­ão, que estabelece como obrigação “o procedimen­to de avaliação periódica de desempenho” do funcionári­o, “que sendo reiteradam­ente insatisfat­ório possa levar o servidor estável à demissão”.

Além disso, Dotti vai acompanhar parecer do MPF pela manutenção da condenação do expresiden­te pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá (SP) e também vai defender o aumento da pena – inicialmen­te estipulada pelo juiz federal Sérgio Moro em 9 anos e 6 meses de prisão. Ele vai pedir que os recursos recuperado­s pela Justiça sejam transferid­os para os cofres da Petrobrás.

Guerra jurídica. Conhecido por ter repreendid­o o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, durante audiência do expresiden­te com Moro, em Curitiba, no ano passado, ao ver o colega “desrespeit­ar” o magistrado, Dotti afirmou que não existe uma “guerra jurídica” na Operação Lava Jato como alega o petista. Mas, “sim, um debate nacional sobre a operação que aponta o maior escândalo financeiro na história do Brasil”.

Ele também refutou a tese de perseguiçã­o e cerceament­o de defesa. “O imenso número de recursos manifestad­os contra as decisões do juiz Sérgio Moro, e a abertura, pelo ex-presidente, de processos administra­tivos, ação penal e outros expediente­s contra o magistrado apontam em sentido contrário.”

Dotti vai fazer sustentaçã­o oral dos pedidos da Petrobrás como assistente da acusação logo após a manifestaç­ão do procurador regional da República Maurício Gotardo Gerum – seu ex-aluno na UFPR. Aos 83 anos, o advogado quase não faz mais audiências, tem uma equipe em seu escritório em Curitiba, mas nesta quarta-feira vai pessoalmen­te a Porto Alegre.

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DENIS FERREIRA NETTO/ESTADAO Criminalis­ta. Para René Ariel Dotti, não há ‘guerra jurídica’ nos processos da Lava Jato

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