O Estado de S. Paulo

Com dívidas bilionária­s, usinas voltam a mirar etanol

Estratégia. Motivadas pelos preços mais competitiv­os do combustíve­l, reflexo da política de reajustes da Petrobrás, empresas vão reduzir oferta de açúcar; faturament­o do setor deve atingir cerca de R$ 90 bilhões nesta safra, queda de 8% sobre o ciclo ante

- Mônica Scaramuzzo

Motivadas pelos preços mais competitiv­os do combustíve­l, reflexo da política de reajustes da Petrobrás, empresas, que acumulam dívidas de R$ 110 bilhões, vão reduzir a oferta de açúcar e apostam no etanol para se recuperar. Setor deve faturar R$ 90 bilhões nesta safra – queda de 8% sobre o ciclo anterior.

Dez anos após atingir seu auge, com investimen­tos bilionário­s em novas usinas e produção recorde de cana-de-açúcar, as indústrias sucroalcoo­leiras amargam hoje um endividame­nto pesado em seus balanços, de cerca de R$ 100 bilhões, e buscam alternativ­as para melhorar a rentabilid­ade. A aposta do setor para este ano é aumentar a produção de etanol, que está com os preços mais competitiv­os que os do açúcar, como reflexo da atual política de reajuste dos combustíve­is adotada pela Petrobrás.

Nesta safra, que se encerra em março, a 2017/18, o faturament­o das indústrias do setor deve ficar em R$ 90 bilhões, de acordo com levantamen­to preliminar da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). Se confirmada­s as estimativa­s, será um recuo de 8% sobre o ciclo 2016/17. A produção de cana no País deve encolher, ficando entre 630 milhões e 640 milhões de toneladas – ante uma oferta de 651 milhões de toneladas da safra anterior. A estratégia para este ano é reduzir a produção de açúcar em pelo menos 3 milhões de toneladas (dos atuais 38,5 milhões) para se concentrar no etanol.

Embora muitas empresas do setor tenham conseguido refinancia­r suas dívidas, são poucos os grupos que efetivamen­te estão com fôlego para fazer investimen­tos novos em expansão das áreas agrícola e industrial, diz Alexandre Figliolino, sócio da MB Associados. A maior parte delas gera caixa apenas para pagar suas dívidas. “Uma nova onda de consolidaç­ão, como a de há dez anos, está longe de ocorrer. Vejo aquisições mais pontuais nos próximos meses”, diz Figliolino.

A expectativ­a é de que as usinas invistam, de modo geral, cerca de R$ 10 bilhões na próxima safra, metade do que seria necessário para fazer uma ampla manutenção dos canaviais, necessária para elevar a produtivid­ade das lavouras, afirma Guilherme Bellotti, analista sênior de agronegóci­o do Itaú BBA.

Por conta dos baixos investimen­tos nos últimos anos, é esperada uma estagnação da produção de cana no País em 2018. Mas especialis­tas ouvidos pelo Estado projetam uma melhora para os próximos ciclos.

Incentivos. Além da recuperaçã­o da economia, o setor conta com a ajuda de um novo programa do governo para voltar a crescer. Sancionado por Michel Temer no fim do ano passado, o Plano Nacional de Biocombust­íveis, o Renova-Bio, estimula a produção de combustíve­is limpos por meio do estabeleci­mento de metas para a redução da emissões de carbono e prevê um ágio nos preços para os produtores que adotarem essas práticas.

“O programa estabelece o papel do etanol como matriz energética para o futuro e dá previsibil­idade à commodity. Mas ainda são os primeiros passos. Embora o mercado reaja rapidament­e, não esperamos nenhuma mudança drástica em 2018”, diz Fabio Venturelli, presidente do grupo São Martinho.

Fontes do mercado financeiro e analistas são reticentes sobre uma recuperaçã­o do setor impulsiona­da por incentivos. O último boom ocorreu entre 2003 e 2008, durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, que deu estímulos à produção de etanol e fez a demanda do combustíve­l deslanchar no País com a venda de veículos flex. Dezenas de usinas foram erguidas e investidor­es locais e estrangeir­os deram início a um movimento de consolidaç­ão. Na gestão de Dilma Rousseff, contudo, que teve como bandeira o controle dos preços da gasolina, o etanol perdeu a competitiv­idade

e muitos projetos, que mal tinham saído do papel, sofreram revés.

Enxuto. O País chegou a ter cerca de 450 usinas em 2008 – hoje são 366 em operação no Brasil, segundo a Unica, com base nos dados do Ministério da Agricultur­a. A região do Centro-Sul, que responde por mais de 90% da produção do País, tem 279 usinas em atividade. Até o momento, mais de 30 unidades estão em recuperaçã­o judicial e outras dezenas estão paradas.

O grupo Odebrecht foi um dos principais investidor­es do setor nos anos 2000 por meio de aquisições e logo ficou entre os cinco maiores produtores do País. Assim como boa parte dos novatos do setor, hoje está em busca de sócios e não descarta se desfazer dos ativos, segundo fontes. A companhia, que agora se chama Atvos (ex-Odebrecht Agroindust­rial), está entre as mais endividada­s do segmento. Em 2016, alongou R$ 11 bilhões em dívidas. O desafio atual é atrair capital, mas o excesso de usinas à venda aumenta a concorrênc­ia. A Atvos nega que esteja à venda.

Com dívidas bilionária­s acumuladas no passado recente, as companhias passaram esses últimos anos tentando melhorar a saúde financeira. “Acreditamo­s em um movimento de reversão de queda da dívida do setor”, diz Pedro Fernandes, diretor de agronegóci­o do Itaú BBA. Investidor­es locais e estrangeir­os já estão atentos a esse movimento, mas sem tanta pressa para fechar bons negócios.

 ?? THIAGO TEIXEIRA/ESTADÃO - 25/8/2011 ?? Inversão. Usinas devem reduzir a produção de açúcar para se concentrar em etanol, que está com preços competitiv­os
THIAGO TEIXEIRA/ESTADÃO - 25/8/2011 Inversão. Usinas devem reduzir a produção de açúcar para se concentrar em etanol, que está com preços competitiv­os
 ?? INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO ?? FONTES: UNICA E MERCADO
INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO FONTES: UNICA E MERCADO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil