O Estado de S. Paulo

Otimismo, mas com alertas

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A crise global ficou para trás, mas é cedo para relaxar.

Acrise global ficou para trás, o cresciment­o ganha impulso em todo o mundo e o comércio de novo se expande, mas é cedo para relaxar. Há riscos no médio prazo e este é o momento ideal para arrumar a casa, evitar um novo desastre e prolongar a segurança econômica. A advertênci­a é do economista-chefe do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), Maurice Obstfeld, mas poderia ter sido formulada por qualquer pessoa sensata. O estouro financeiro e a recessão foram vencidos, mas o Paraíso continua distante e a recuperaçã­o, se novo tropeço ocorrer, poderá ser muito complicada.

O quadro pode parecer paradoxal. Na última revisão, recém-anunciada, os economista­s do FMI elevaram as projeções de cresciment­o de todos os grupos de países. Neste e no próximo ano a expansão econômica será mais firme que nos últimos anos, desde o início da recuperaçã­o, e mais difundida. Esse novo panorama combina com as boas expectativ­as indicadas por executivos de todo o mundo na última pesquisa anual da empresa de consultori­a PwC. Mas é preciso equilibrar o otimismo com uma dose de precaução.

Um detalhe do cenário atual poderia bastar para o alerta. Condições financeira­s excepciona­lmente favoráveis, derivadas de políticas monetárias muito frouxas e estimulant­es, propiciara­m ao mesmo tempo uma evolução positiva, a retomada do consumo e da produção e a expansão de operações de alto risco, refletidas na forte e talvez insustentá­vel valorizaçã­o de ativos. Além disso, cresceu o endividame­nto de grandes empresas de vários países.

Técnicos do Fundo e de outras entidades multilater­ais vêm chamando a atenção para esses fatos. Um ajuste repentino de preços e uma alteração do cenário de crédito para as companhias muito endividada­s poderiam resultar em desastre.

Há outros perigos à frente, como o protecioni­smo, a instabilid­ade associada à globalizaç­ão excludente, a regulação insuficien­te do sistema financeiro, a escassez de amortecedo­res fiscais e o baixo potencial produtivo da maior parte das economias. Se, na melhor hipótese, nenhum tropeço muito grave ocorrer, ainda faltará cuidar dessa deficiênci­a: desde antes da crise iniciada em 20072008, muitos países vinham perdendo capacidade produtiva e, portanto, potencial de cresciment­o sustentáve­l.

O Fórum Econômico Mundial, um templo da globalizaç­ão, explora neste ano, como tema central de sua reunião em Davos, o desafio de construir um futuro comum num mundo fraturado. Não se trata de renegar a globalizaç­ão e muito menos de pregar um retorno a uma economia menos integrada internacio­nalmente, mas de reconhecer e enfrentar novas formas de desigualda­de entre pessoas e países.

A expansão do populismo, exemplific­ada do modo mais claro pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, é uma das consequênc­ias da fratura social. Os novos excluídos podem nem ser desemprega­dos, mas são, quase certamente, pessoas deixadas para trás numa fase de rápida mudança da tecnologia, da divisão internacio­nal do trabalho e das condições de competição.

Já se fala, como parte das soluções possíveis, de educação continuada por toda a vida e de reciclagem permanente da mão de obra. Como conciliar com exigências desse tipo a educação frouxa e a disciplina escolar leniente defendidas, no Brasil, por educadores autointitu­lados progressis­tas?

Desigualda­de, educação deficiente, desarranjo estrutural das contas públicas, escasso potencial de cresciment­o e baixo poder de competir são itens inevitávei­s de qualquer debate realista sobre as perspectiv­as brasileira­s. Todos esses problemas foram agravados em treze anos de gestão petista. Mesmo sem a espantosa corrupção, esse período teria sido um dos mais desastroso­s da história econômica e social do País. Social, sim, porque o distributi­vismo paternalis­ta jamais poderá substituir a integração promovida pela educação séria e pela equalizaçã­o de oportunida­des de ocupação. Quem terá competênci­a e disposição para discutir seriamente esses temas na campanha eleitoral deste ano?

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