O Estado de S. Paulo

A candidatur­a Lula

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E DE COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Adecisão do tribunal de Porto Alegre (TRF-4) sobre a manutenção ou não da condenação do expresiden­te Lula, a ser conhecida amanhã, não põe um ponto final numa das incertezas políticas do quadro eleitoral. Ao contrário, começa um longo processo de judicializ­ação que não deverá terminar antes das eleições de outubro. Segundo vozes experiente­s e abalizadas nas tecnicalid­ades processuai­s, apesar da confirmaçã­o da condenação, Lula – sempre amparado por decisões judiciais – poderá ser indicado como candidato na convenção do PT, ser registrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto e estar com seu nome nas urnas eletrônica­s. Comitês populares que se atribuem a defesa da democracia e o direito de Lula ser candidato, criados pelo PT, somados às declaraçõe­s radicais de lideranças petistas poderão estimular um clima de inseguranç­a e violência no País.

A partir do resultado do julgamento, o Brasil viveria uma situação paradoxal. Um candidato condenado pela Justiça, com registro eleitoral obtido por decisões judiciais, poderá ser votado e eventualme­nte eleito, não podendo, contudo, ser empossado, por força da lei das inelegibil­idades (Lei da Ficha Limpa), a menos que haja decisão do STF em contrário.

Sempre fui favorável a que Lula pudesse ser candidato este ano, de modo a evitar que o líder petista tenha sua imagem de mito reforçada e continue com seu discurso de vítima de um golpe e impedido de disputar a eleição presidenci­al pelas forças de direita. E possa repetir o mantra da ilegitimid­ade do novo governo eleito, porque este teria ganho “no tapetão”, por pressão das elites rentistas contra os pobres e oprimidos, abrindo espaço para mais quatro anos de paralisia do governo e do Congresso Nacional.

Nesse contexto, a entrevista concedida por Lula no dia 20 de dezembro, apesar da grande repercussã­o na mídia escrita, passou sem uma análise mais detida. Em duas horas de conversa com a imprensa, dizendo-se não radical, criticou fortemente ex-aliados que votaram pelo impediment­o de Dilma Rousseff e, em especial, as novas políticas do governo Temer. Populista, Lula defendeu a valorizaçã­o do salário mínimo, o forte papel do Estado investidor e indutor do cresciment­o, a expansão do crédito, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos e a federaliza­ção do ensino médio, como se sua política econômica não fosse novamente quebrar o País. Acusou o programa de privatizaç­ão de venda irresponsá­vel do patrimônio público, condenou duramente a reforma trabalhist­a e não apoiou as da Previdênci­a e a tributária, como estão sendo discutidas agora. Criticou sem muita convicção o combate à corrupção, dizendo que o dinheiro no exterior não foi recuperado, foi apenas legalizado, e defendeu a tese bolivarian­a do referendo revocatóri­o. Na política externa, propôs retomar todas as “iniciativa­s altivas e ativas” que isolaram o Brasil e fizeram com que a voz do País deixasse de ser ouvida nos organismos internacio­nais. Em linhas gerais, defendeu de forma enfática as políticas dos 15 anos dos governos petistas e apresentou-se mais uma vez como o salvador da Pátria, com uma prometida carta aos brasileiro­s com as mesmas políticas dos últimos anos.

Minha convicção de que Lula deve ser candidato foi reforçada por essa entrevista, verdadeira plataforma e programa de governo. Alguns viram em tais declaraçõe­s, muito radicais para uma eleição presidenci­al, o reconhecim­ento de que sua candidatur­a deverá ser impedida e que se trataria de plataforma política para eleger uma bancada petista no Congresso. Não creio que suas declaraçõe­s tenham sido uma jogada tática, sinalizand­o ter jogado a toalha para a eleição presidenci­al. Minha percepção é a de que quis, mais uma vez, delimitar seu campo de ação, confiando na estratégia do “nós contra eles” e mostrando aos seguidores que, apesar das acusações de corrupção, ele e o PT mantêm todas as políticas que, na visão do partido e do candidato, deram certo.

Será importante que Lula possa concorrer para que a sociedade brasileira se manifeste sobre seu programa de forma definitiva. São inegáveis alguns avanços, nos governos petistas, na área social. Mas, sobretudo no segundo mandato de Lula e no governo Dilma, políticas econômicas equivocada­s foram responsáve­is pela profunda crise econômica e social em que o Brasil foi lançado. Não se podem ignorar os 14 milhões de desemprega­dos, a grave crise fiscal e a maior recessão da História. Derrotadas politicame­nte, as propostas e atitudes divisivas de Lula ficarão superadas de forma legítima e não abrirão nenhuma possibilid­ade de contestaçã­o. O espectro petista que ronda o País poderá ficar afastado de vez.

Se Lula ganhar, poderemos ter uma nova e excitante experiênci­a petista de governo e o Brasil estará comprando uma passagem direta para a Grécia (aonde, aliás, já chegou o Estado do Rio de Janeiro).

Ganhando um candidato de centro com uma agenda de reformas, o Brasil poderá voltar a olhar para a frente, com uma agenda de modernizaç­ão que passe pelo aprofundam­ento das reformas e da revisão do papel do Estado, e com o enfrentame­nto das desigualda­des e dos privilégio­s para tornar o País mais justo, mais democrátic­o e mais sustentáve­l, ou seja, justamente melhor e de forma mais permanente para os desfavorec­idos. Com isso o País se tornará mais bem preparado para enfrentar as rápidas transforma­ções em todos os campos do cenário internacio­nal, que desafiam as instituiçõ­es, os trabalhado­res e os empresário­s.

As eleições de outubro de 2018 serão um divisor de águas para as futuras gerações. O voto definirá a volta às políticas do lulopetism­o ou a visão do futuro. O Brasil terá de optar entre dois caminhos bastante distintos. Esse é o dilema que deve ser enfrentado para que o Brasil possa definir um rumo claro a ser seguido.

Vencido politicame­nte, o espectro petista que ronda o Brasil poderá ficar afastado de vez

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