O Estado de S. Paulo

Ainda sobre a tributação da folha

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Em meu artigo anterior (publicado há duas semanas) mencionei que a tributação da folha de salários era muito elevada no Brasil, o que gera uma série de distorções. Também apresentei uma proposta de mudança para os trabalhado­res de baixa renda. Neste artigo trato de dois outros problemas relacionad­os à tributação da folha: a incidência de contribuiç­ões não previdenci­árias e a tributação dos trabalhado­res de alta renda (cuja remuneraçã­o é significat­ivamente superior ao teto do salário de contribuiç­ão, atualmente de R$ 5.645,80).

Contribuiç­ões não previdenci­árias. Além das contribuiç­ões previdenci­árias, no Brasil, os salários dos empregados formais são onerados também por uma série de contribuiç­ões não previdenci­árias, das quais as mais importante­s são as contribuiç­ões para o Sistema S (destinadas ao financiame­nto do Sesc, Senac, Sesi, Senai, etc., além das federações e confederaç­ões patronais) e a contribuiç­ão para o salário-educação. No agregado, as contribuiç­ões não previdenci­árias chegam a 5,8% do salário de um trabalhado­r urbano, prejudican­do a competitiv­idade do País e estimuland­o a informalid­ade.

Neste contexto, proponho que o financiame­nto das atividades atualmente feito por essas contribuiç­ões passe a ser feito por outros tributos menos distorcivo­s, incidentes sobre a renda, o consumo ou a propriedad­e. Adicionalm­ente, entendo que o financiame­nto do Sistema S deveria passar a integrar o Orçamento da União, pois não faz sentido que atividades privadas sejam financiada­s por contribuiç­ões compulsóri­as, sem que se avalie se são mais ou menos relevantes que outras políticas públicas.

Trabalhado­res de alta renda. No Brasil, a contribuiç­ão dos empregados sobre a folha de pagamentos é limitada ao teto do salário de contribuiç­ão. Já a contribuiç­ão dos empregador­es (que varia de 26,3% a 31,8% da remuneraçã­o dos empregados, sem considerar o FGTS) incide sobre a folha integral, sem limite.

Este modelo gera um forte desincenti­vo ao emprego formal de trabalhado­res de alta renda, pois a contribuiç­ão patronal sobre a folha acima do teto do salário de contribuiç­ão (que é também o teto para os benefícios) é percebida como parte do custo do trabalho, sem gerar qualquer benefício para o trabalhado­r. Este é, aliás, um dos principais motivos para o processo de “pejotizaçã­o”, pelo qual trabalhado­res de alta renda se constituem como sócios de empresas, bem como para a expansão de formas de remuneraçã­o desses trabalhado­res não sujeitas à contribuiç­ão previdenci­ária, como programas de stock options e assemelhad­os.

Para resolver esse problema, a melhor solução seria eliminar a contribuiç­ão do empregador sobre a parcela dos salários que excede o teto. Tal solução, se implementa­da simultanea­mente à proposta de desoneraçã­o da folha para os trabalhado­res de baixa renda, levaria a que toda contribuiç­ão sobre folha estivesse vinculada à percepção de algum benefício futuro, criando um forte incentivo à formalizaç­ão.

O problema desta alternativ­a é seu elevado custo fiscal, que precisaria

As mudanças sugeridas permitiria­m uma enorme racionaliz­ação do sistema tributário brasileiro

ser compensado pela elevação de outros tributos, a exemplo da desoneraçã­o da folha dos trabalhado­res de baixa renda – que é prioritári­a –, e da eliminação das contribuiç­ões não previdenci­árias sobre a folha.

Se não for possível suprir a perda de receita decorrente da eliminação da contribuiç­ão patronal acima do teto do salário de contribuiç­ão por meio de outros tributos, uma alternativ­a seria um modelo intermediá­rio, no qual tal contribuiç­ão seria reduzida, mas passaria a ser cobrada também sobre outras formas de rendimento­s de trabalhado­res de alta renda (inclusive o lucro distribuíd­o por “PJs”), de modo a manter a arrecadaçã­o constante.

Embora muita discussão ainda seja necessária, as mudanças na tributação da folha sugeridas neste e no último artigo permitiria­m uma enorme racionaliz­ação do sistema tributário brasileiro, favorecend­o a formalizaç­ão e eliminando a multiplici­dade de regimes que caracteriz­am o modelo atual.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil