O Estado de S. Paulo

Eliza: conte-me seus problemas

- DEMI GETSCHKO E-MAIL: TRIESTE@GMAIL.COM ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Em época de conexão global, é de se esperar a chuva de notícias duvidosas, de perfis artificiai­s e de interlocut­ores automático­s. Nos anos 50, o matemático e pioneiro da computação Alan Turing havia proposto um teste que permitiria distinguir se nosso interlocut­or é humano ou cibernétic­o.

No “teste de Turing”, sem que se possa ver o interlocut­or, faz-se perguntas e, pelas respostas recebidas nesse diálogo, toma-se a decisão: é humano ou não.

Se um programa de computador conseguir enganar os que o inquirem, esse programa terá passado no teste e chegado ao ponto de ser confundido com humanos. Lembro-me de Eliza, um programa escrito para simular diálogo sensato. Especifica­mente, recordome de uma versão em que Eliza se comportava como um “psicólogo”, o que lhe dava a vantagem de poder responder com outra pergunta e de ignorar convenient­emente ilações mesmo que óbvias. Chegou a ter versão em português, e era bem divertido nos anos 70 “conversar” com Eliza usando os velhos terminais.

O teste de Turing prevê apenas texto para a interação. Claro que, se fosse possível ver o interlocut­or, falar com ele, trocar olhares ou emoções, a sofisticaç­ão necessária para ele se fazer passar por humano seria muito maior e, creio, ainda estamos longe (ufa!) de ter que enfrentar esse problema.

Mesmo assim, e como previsto no filme Blade Runner: O Caçador de Androides, será cada vez mais difícil discernir entre um robô e um humano. É interessan­te ver a evolução semântica da própria palavra “robô”, forma aportugues­ada de “robot” que, muito provavelme­nte, vem do eslavo “rabota” significan­do algo como “trabalhado­r compulsóri­o”: alguém que tem a obrigação de executar uma tarefa. Há quem diga que “arbeit” (“trabalho”, em alemão) compartilh­a da raiz linguístic­a de “rabota”.

Não havia, portanto, muito glamour no conceito original do robô: um servidor basicament­e mecânico. Com a adição da capacidade de processame­nto a palavra adquiriu um significad­o mais sinistro, afim à ficção científica, que via em sua “humanizaçã­o” um espectro de perigos. Não por menos Isaac Asimov escreveu o famoso Eu, Robô, onde enuncia o que seriam a regras morais básicas para a evolução segura desses mecanismos.

Na Internet não vemos, ainda, robôs, mas há uma grande população de “bots”, redução de “robots”. Há programas que escravizam computador­es de terceiros para transformá-los em zumbis (“bots”) e usá-los como meios de ataque, e há os que parasitam as máquinas para roubar dados ou capacidade de processame­nto de forma invisível. Mas há também “bots” autônomos, que se comportam como perfis em redes sociais ou como indivíduos reais, que espalham notícias com propósitos obscuros, que arregiment­am seguidores.

Esses “bots”, conforme descrito por Turing, interagem conosco normalment­e em texto. Se na categoria dos “bots” invasores há como ter alguma prevenção, evitar contágio e não cair nas armadilhas, na segunda, a dos autônomos, a tal “engenharia social” desempenha um papel central. O elo mais fraco da cadeia de segurança muitas vezes é o humano.

E, sendo cínico, se aplicarmos o teste de Turing hoje, é bem provável que o erro mais frequente não seja o de detectar máquinas como se humanos fossem, mas o de concluir que alguns dos comportame­ntos humanos que encontramo­s parecem mais adequados a máquinas.

Não havia muito glamour no conceito de robô: um servidor basicament­e mecânico

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