O Estado de S. Paulo

Sambaranda, as vozes que venceram nos EUA

‘Delírios – Volume 1’, que deu ao sexteto o primeiro prêmio a um grupo vocal brasileiro no país do gospel, é lançado no Brasil

- Julio Maria

Aquele eterno dura segundos e nem quem está nele o descreve com precisão. Os sons que antes saíam organizado­s para se encontrar com outros, de repente, se entrelaçam e criam um ser de vontades próprias, para além das intenções até de quem os produz. Depois de flanar pela plateia ele volta mais forte e eleva os pés dos músicos a dois palmos do chão em uma fração de tempo aberta em algum momento das duas horas de show. Alguns músicos passam sua existência sem conhecer o portal que não se abre apenas com virtuosism­o. Outros vão dedicar suas vidas a buscar a eternidade dos poucos segundos que um dia mudaram tudo.

Se tivesse a razão dos estrategis­tas, o cantor Rafael Carneiro teria desistido antes mesmo de tentar. Sua música era diagnostic­ada com poucas chances de sobrevivên­cia ainda na gestação. Um grupo vocal de música brasileira seria uma vida de abnegação dentro de todas as abnegações da vida de qualquer músico. A vontade veio enquanto vivia na Irlanda com a mulher também cantora Nani Valente, em 2011. Não um grupo de vozes bem divididas acompanhad­as por instrument­os, nos moldes dos Cariocas ou do MPB 4, mas um formato em que as vozes seriam o que elas nunca deveriam deixar de ser, instrument­os musicais, as únicas fontes ali de harmonia, ritmo e melodia. Rafael seguiu em frente.

A saudade do Brasil foi seu primeiro impulso. “Fiz então, ainda morando na Irlanda, todos os arranjos pensando em gravar as vozes sobreposta­s, mas Nani achou melhor termos um grupo.” A primeira cantora, Bia, foi encontrada no Brasil três anos depois. Um vídeo foi gravado e mais interessad­os apareceram. Cristiano e Diego de Jesus, que tinham um duo, entraram depois. Bia saiu e Penélope Celano entrou depois de assistir a outro vídeo, em 2015. Ao final de chegadas e desistênci­as, os combatente­s ficaram então em seis: Nani Valente, Penélope, Fredson Torres, Cristiano Santos, Diego de Jesus e Rafael. O nome do grupo: Sambaranda.

O primeiro disco, gravado ainda em septeto, tem o nome de Delírios Volume 1. Há um esmero nos arranjos, escritos por Rafael, que faz coelhos pularem da cartola a todo instante. Wave, mesmo assumindo riscos de quem revê o que não parece mais poder ser revisto, tem vozes abertas com inspiração e ganha frescor com os caminhos que escolhe. Delírio Carioca, de Guinga e Aldir Blanc, mostra a força dos baixos. E parte de seu nome é o que batiza o disco. “A outra parte é a ideia do delírio mesmo, do delírio coletivo de fazermos este grupo, do delírio que parece ser querer viver de música em nosso país”, diz. O repertório segue ainda com músicas como Doce Ilusão , Água de Beber , Vilarejo, Lamento Sertanejo, Capim.

Um feito em 2017 chegou a assustar. Os integrante­s enviaram o disco para concorrer ao prêmio internacio­nal Cara, (Contempora­ry A Cappella Recording Awards 2017), promovido nos Estados Unidos. Vencer era uma hipótese remota. Nunca um grupo brasileiro havia conquistad­o o primeiro lugar na terra dos maiores grupos vocais surgidos sobretudo da tradição da música gospel. Mas eles venceram e, espantosam­ente, na categoria Melhor Álbum de Jazz. “Há uma discussão do que é jazz”, pensa Carneiro. “Uns dizem que está no improviso, outros que se trata de uma linguagem. Eu acredito que o conceito se estenda para propostas musicais que também são influencia­das por ele.” Seja como for, o som do Sambaranda entrou nos EUA pela porta principal.

Enquanto isso, a realidade de uma frequência de shows no Brasil é um desafio. Mesmo as casas conhecidas do circuito de música instrument­al e jazz mostram resistênci­a. “Há uma dificuldad­e mesmo do entendimen­to. As pessoas perguntam se somos um coral, se somos um grupo de jazz, mas que também canta samba. Mesmo com a indicação de amigos, não conseguimo­s ainda fechar shows por aqui.” Por isso, não há previsão de lançamento do disco em São Paulo. E contudo, o que faz o grupo se manter na ativa? “Há nesta história um amor maior do que tudo”, diz Rafael. “Mesmo quando caímos, não caímos até o chão. É o prazer daquele momento que nos faz seguir em frente. Quando sentimos a energia que sai e que volta para o palco, não temos dúvida de que viver disso é possível.”

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PATRICIA CRUZ/ESTADÃO Seis instrument­os. Diego de Jesus, Fredson Torres, Penelope Celano, Nani Valente, Rafael Carneiro e Cristiano Santos
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SAMBARANDA Delírios – Volume 1Independe­nte / Preço médio: R$ 20

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