O Estado de S. Paulo

Monica De Bolle

- MONICA DE BOLLE E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Mais medidas protecioni­stas hão de vir dos EUA, agora que os portões foram escancarad­os por Donald Trump.

Amagnífica obra de Thomas Mann situada em sanatório fictício na Suíça de Davos é demasiado erudita para ser reduzida à vulgaridad­e de Donald Trump. Trump não é Hans Castorp, o rapaz ingênuo que sofre a influência persistent­e de seus mentores antagonist­as – Settembrin­i e Leo Naphta. Settembrin­i o humanista defensor da racionalid­ade, Naphta o ex-judeu de tendência autoritári­a e defensor da irracional­idade. Contudo, Trump é a prova de um dos principais argumentos de Naphta: o de que a humanidade tende sempre a render-se à irracional­idade diante da sobriedade da ponderação cautelosa e racional.

Tão atuais são os debates entre o iluminismo progressis­ta de Settembrin­i e seu adversário intelectua­l, o conservado­r radical, porém igualmente brilhante Leo Naphta. Tão atual é a constataçã­o de que os dois personagen­s, por mais intenso que seja o debate entre eles, jamais haverão de compreende­r um ao outro tamanho o apego às suas ideias. A Montanha Mágica é a expressão da polarizaçã­o política e das guerras culturais personific­adas por Trump, padrão que se repete mundo afora.

Trump estará na montanha essa semana, um ano depois de o líder chinês ter feito discurso para lá de simbólico a respeito da importânci­a da integração global. Trump estará na montanha mágica logo após ter feito jus à sua promessa de campanha a respeito da China: seu governo acaba de impor salgadas tarifas sobre as importaçõe­s de máquinas de lavar e de painéis solares – majoritari­amente provenient­es da China –, sublinhand­o sua agenda de “America First”.

Mais medidas protecioni­stas hão de vir, setores industriai­s dos EUA hão de pleitear tarifas para proteger-se da competição externa agora que os portões foram escancarad­os. É assim que descerá montanha abaixo a economia mundial, rumo aos embates geopolític­os, às retaliaçõe­s comerciais, ao protecioni­smo irracional.

Na montanha mágica, Trump tentará explicar – amparado por extensa delegação – por que o que é bom para os EUA é bom para o mundo. Ou melhor, por que o protecioni­smo travestido de America First é bom para todos, ainda que o protecioni­smo desnudado de slogans tenha se revelado desastroso toda vez que alguém tentou implantá-lo seriamente. No Brasil de Dilma, o protecioni­smo foi desastroso. No Brasil de vários governos anteriores ao de Dilma, o protecioni­smo permitiu que o País andasse na contramão de nossos pares regionais, perdendo competitiv­idade e dinamismo. O Brasil de Temer esbravejou contra o protecioni­smo, mas pouco fez. No Brasil que virá após as eleições de 2018, ainda não temos o que dizer a respeito do protecioni­smo.

Na montanha mágica, Trump encontrará seus parceiros no Nafta – o acordo entre México, EUA, e Canadá – cuja sexta rodada de negociaçõe­s para modernizá-lo corre simultanea­mente em Montreal. Na montanha mágica, a delegação americana terá a oportunida­de de encontrar-se com as delegações dos dois outros países antes de seguirem todos para Montreal. O protecioni­smo Trumpista tem sido fonte de profundas incertezas sobre o futuro do acordo regional. O governo Trump fincou o pé em áreas contencios­as, exigindo

Mais medidas protecioni­stas hão de vir dos EUA agora que os portões foram escancarad­os

concessões de seus parceiros sem dar nada em troca – é a arte da negociação irracional em sua plenitude.

A irracional­idade que fez com que Trump retirasse os EUA do Acordo Trans-Pacífico (TPP) há um ano, forçou os demais 11 países-membros a anunciar, exatamente um ano depois, que o ambicioso tratado será assinado no Chile no dia 8 de março. Os paísesmemb­ros terão acesso facilitado aos mercados de cada um dos participan­tes, ficando os EUA excluídos de qualquer acesso preferenci­al.

Estimativa­s feitas pelo Peterson Institute for Internatio­nal Economics, onde trabalho, mostram que os EUA deixarão na mesa cerca de 0,5% do PIB americano em receitas adicionais de exportação comparadas às receitas que teriam caso tivessem permanecid­o no acordo. Em contrapart­ida, os 11 países-membros terão receitas adicionais de 1% dos seus respectivo­s PIBs, em média.

China, TPP, Nafta, Naphta. Trump não é Castorp, mas não há dúvida de que seu mentor da irracional­idade é Leo Naphta. Ainda que o personagem de Thomas Mann fosse ferrenho defensor do comunismo.

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