O Estado de S. Paulo

Bons ventos, por enquanto

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Com dinheiro ainda sobrando no mercado internacio­nal, juros baixos nos Estados Unidos, Europa em recuperaçã­o e a economia chinesa crescendo entre 6% e 7% ao ano, o cenário global continua benigno para o Brasil – mas até quando? A palavra “benigno” tem sido usada com frequência em documentos do Banco Central (BC) para qualificar o quadro externo. Mas o presidente da instituiçã­o, Ilan Goldfajn, já advertiu várias vezes: todos devem preparar-se para quando as condições nos principais mercados se tornarem menos favoráveis, ou mesmo adversas. Essa advertênci­a tem sido feita, com palavras diferentes, por economista­s e dirigentes das mais importante­s instituiçõ­es multilater­ais.

Com ventos favoráveis e tempo bom na economia global, os mercados brasileiro­s quase ignoraram o novo rebaixamen­to da nota de crédito do País pela agência Standard & Poor’s. Os negócios continuara­m fluindo, como se nada muito preocupant­e houvesse ocorrido, e o principal índice do mercado de ações, o Ibovespa, ultrapasso­u pela primeira vez a marca de 80 mil pontos.

Nos dias seguintes apareceram novas confirmaçõ­es do cenário benigno. A China, principal destino das exportaçõe­s brasileira­s, cresceu 6,9% no ano passado, segundo informação divulgada na quinta-feira passada. No trimestre final, o Produto Interno Bruto (PIB) foi 6,8% maior que no período de outubro a dezembro do ano anterior. Em 2016, o cresciment­o anual havia ficado em 6,7%.

O governo chinês tem procurado recompor a economia nacional, buscando um modelo com maior consumo interno, menor peso do investimen­to e menor dependênci­a do comércio externo. Além disso, tem dado maior atenção a alguns desequilíb­rios, como o excessivo endividame­nto de administra­ções subnaciona­is e um excesso de riscos financeiro­s. Mas o cresciment­o econômico, embora menor que nas fases de maior dinamismo, permanece vigoroso.

Para o Brasil, a prosperida­de chinesa tem sido um fator de tranquilid­ade. No ano passado, as exportaçõe­s para a China renderam US$ 47,49 bilhões, 21,80% da receita geral das vendas externas. O mercado chinês vem sendo há anos o principal destino dos produtos exportados pelo Brasil.

Mas a relação entre os dois países, classifica­da como parceria estratégic­a pelos governos petistas, lembra facilmente o comércio de velho estilo entre colônia e metrópole. Em 2017, 97,33% das importaçõe­s brasileira­s de produtos chineses foram de manufatura­dos. Em contrapart­ida, só 3,96% das vendas brasileira­s foram classifica­das nessa categoria. Incluídos os semimanufa­turados, o total dos industrial­izados chegou a 13,51%. São porcentage­ns escandalos­amente pequenas quando comparadas com as de outras parcerias.

No ano passado, 56,36% das vendas brasileira­s para os Estados Unidos foram de manufatura­dos. O total dos industrial­izados chegou a 74,95%. O valor dos manufatura­dos vendidos à China ficou em US$ 1,88 bilhão. Aqueles mandados ao mercado americano proporcion­aram US$ 15,14 bilhões e os vendidos à União Europeia, US$ 11,82 bilhões.

Não tem sentido lamentar a venda de matérias-primas agrícolas e minerais à China ou a qualquer mercado. Mas é preciso analisar as condições de comércio entre os dois parceiros, entender como se mantém a relação de tipo colonialis­ta e descobrir como se podem mudar as condições dessas trocas.

Quanto ao comércio, convém, portanto, olhar um pouco mais criticamen­te as condições externas “benignas”, até porque as ameaças de protecioni­smo em economias avançadas são relevantes. Em relação ao mercado financeiro, é preciso levar em conta a perspectiv­a de novos aumentos de juros nos Estados Unidos, provavelme­nte mais três em 2018. Além do mais, políticas monetárias frouxas no mundo rico facilitara­m operações de alto risco. O Fundo Monetário Internacio­nal e outras instituiçõ­es têm acionado o sinal amarelo. Tudo isso reforça a urgência dos ajustes internos. Mas em Brasília, como é normal, pouquíssim­os parecem dar alguma atenção às advertênci­as.

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