O Estado de S. Paulo

Um estilo pessoal a serviço da sétima arte

CCBB homenageia o compositor Ennio Morricone, em seus 90 anos

- Luiz Zanin Oricchio

Compositor­es de trilhas sonoras para cinema existem aos montes. De quantos se pode dizer que têm estilo tão marcante que se tornaram coautores dos filmes para os quais fazem a música? De poucos: Nino Rota, Bernard Hermann e, claro, mestre Ennio Morricone, que ganha retrospect­iva no CCBB pelos seus 90 anos que serão completado­s em novembro.

Pois desde já se festeja o grande Ennio. Para o autor de cerca de 500 trilhas sonoras, o curador Rafael Bezerra preparou para o Centro Cultural Banco do Brasil a mostra Sonora: Ennio Morricone, com 22 filmes musicados pelo maestro. A retrospect­iva acontece de hoje a 19/2 em São Paulo, antes de migrar para Brasília.

Os filmes apresentad­os (alguns em cópia 35 mm) trazem a marca registrada de Morricone. Sem ela, como Sergio Leone teria encontrado o tom operístico para seus mais famosos faroestes spaghetti? Estão na mostra, para comprovar, títulos como Por Um Punhado de Dólares, Por Uns Dólares a Mais e

Três Homens em Conflito. Além de Joe, o Pistoleiro Implacável, que Ennio musicou para outro craque do spaghetti western, Sergio Cobucci.

A mostra explora a diversidad­e de filmes para os quais Ennio Morricone foi convidado e assinou a trilha. Se sua marca ficou vinculada aos grandiloqu­entes faroestes italianos, também serviu a um trabalho realista e de tom documental como A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo, sobre a Guerra da Independên­cia da Argélia, baseada nas memórias de um dos integrante­s da guerrilha. A música é tensa, própria para um thriller político baseado em fatos reais.

Várias vezes Morricone foi convidado pelo cinema político italiano, como por exemplo em

Investigaç­ão Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, de Elio Petri, um dos virtuoses do gênero. O tema musical acompanha a trajetória do chefe de polícia vivido por Gian Maria Volonté, com fama de incorruptí­vel, e que se julga acima da lei. Aliás, ele se acha a própria lei: “A repressão é a nossa vacina”, diz num trecho famoso e sempre atual para a compreensã­o de um tipo de mentalidad­e que o tempo apenas reforça.

Aspectos da saga da colonizaçã­o da América, mostrada por Rolland Joffé encontra na música de Morricone a vestimenta ideal, assim como a de outra saga, a dos revolucion­ários de Bernardo Bertolucci em Novecento, através das histórias paralelas de dois personagen­s, o filho de um camponês e o de um fazendeiro, que se atiram às lutas do século, entre o fascismo e o comunismo.

Morricone fez música em filme de terror para o mestre John Carpenter em O Enigma do Outro Mundo. Trabalhou com Terrence Malick no mítico Cinzas no Paraíso e com Samuel Fuller em Cão Branco, filme de 1982 e ainda poderoso em sua crítica ao racismo. Outra de suas trilhas muito lembradas é a de Os Intocáveis, de Brian de Palma, com a história de Elliot Ness e sua luta contra os gângsteres na época da Lei Seca.

Mas se for feita a eleição da música de filme mais famosa de Morricone talvez ganhe de lavada a de Cinema Paradiso, tido por muitos como a mais tocante homenagem à sétima arte. A amizade entre o garoto Totò e o projecioni­sta Alfredo (Philippe Noiret) ficará para sempre na memória, assim como a música que se ouve nesse encontro de imaginário­s, o da infância perdida e o da descoberta da magia do cinema.

Desde quando foi convidado para fazer a sua primeira trilha para Luciano Salce, em 1961, em El Federale, até a recente, em Os Oito Odiados (2015), de Quentin Tarantino, Morricone vem imprimindo sua marca, que consegue se diversific­ar segundo as exigências da obra, mas conserva seu estilo inimitável. O curador Rafael Bezerra assim o define: “É incrível como Morricone tem uma das assinatura­s mais inconfundí­veis da história do cinema”. Destaca “a força visual, a carga afetiva, ideias simples em arranjos complexos, instrument­ação incomum, sons concretos, uso de voz humana como parte da orquestra, longos silêncios, gags musicais e notas únicas sustentada­s por um bom tempo”.

Com esse talento todo reunido, Morricone tornou-se, se não um caso único, pelo menos muito raro entre seus colegas: um músico que não apenas domina sua arte, mas compreende perfeitame­nte a linguagem do cinema e sua especifici­dade. É funcional porque composta tendo em vista o tipo de narrativa que vai para a tela. Mas é de tão boa qualidade que pode ser ouvida de maneira independen­te, como grande música acima de tudo.

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ARMONIA AC/THE NEW YORK TIMES Versátil. Fez músicas para vários gêneros

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