O Estado de S. Paulo

O mestre das narrativas olha para a própria história

Considerad­o um dos melhores contadores de história do rap, Rodrigo Ogi revisita sua vida no álbum ‘Pé no Chão’

- Pedro Antunes

Num dia desses, Rodrigo Hayashi, nome de nascimento do rapper Rodrigo Ogi, encontrou algumas caixas e pastas que estavam na casa da sua mãe. No meio daquelas tralhas esquecidas e guardadas por ela, que partiu há 13 anos, Ogi encontrou seus primeiros rabiscos. Releu as redações escritas por ele nos tempos de escola, na infância vivida em Jardim Celeste, localizado quase na divisa entre São Paulo e Diadema. Tinha 7, 8 anos de idade e seus escritos já contavam pequenas histórias. “Sempre fui um contador de histórias”, conta Ogi, que na época de moleque reunia a gurizada do bairro para narrar histórias de terror. “Lia muito, por incentivo da minha mãe, que levava para casa livros da coleção Vagalume”, recorda.

Pé no Chão, o mais recente EP do músico, lançado no ano passado e festejado com uma apresentaç­ão no Centro Cultural São Paulo nesta quinta, 25, às 21h, foi um exercício de narrativa para Ogi, o narrador. Suas rimas nasciam a partir de uma perspectiv­a em terceira pessoa. Depois de um período de introspecç­ão, com filho recém-nascido em casa, decidiu colocar suas próprias questões para fora. “Precisei reaprender a escrever, porque usava uma perspectiv­a diferente”, explica.

Diferentem­ente do que fez em

Crônicas da Cidade Cinza (2011) e

Rá! (2015), Ogi apresenta suas próprias verdades e histórias. “Principalm­ente no inverno do ano passado”, ele conta e segue, “foi um período difícil para mim. Fiquei pensando muito sobre algumas questões a meu respeito. Com o nascimento do meu filho (em outubro de 2016) muitas perspectiv­as mudaram para mim. Esse é um trabalho de colocar isso para fora”, conclui.

Aos 37 anos, Ogi é chamado no ambiente do rap de “vovô”, por conta do excesso de fios brancos na cabeça – “desde os 15 anos eu já tinha cabelos brancos”, conta. O lançamento do EP, que seria um disco com produção de Vinicius Nave, produtor dos bons de beats, é uma atualizaçã­o de Ogi dentro do mercado. “Para um artista como eu, ficar tanto tempo sem lançar algo significa ser esquecido”, explica. Ao longo de 2018, Ogi irá lançar clipes do EP, singles soltos e mostrar três músicas do próximo álbum, previsto para sair no ano que vem.

Pé no Chão nasceu de algumas músicas que estariam neste disco e criações novas, alinhadas com a ideia de expor quem é o Ogi transforma­do pelo nascimento do pequeno Pedro. O EP de sete faixas e 22 minutos de duração foi colocado nas plataforma­s digitais em 24 de outubro, aniversári­o de um ano do pequenino. “Foi o resultado de um momento no qual me afastei de várias coisas.”

E Pé no Chão soa como esse turbilhão na cabeça do Vovô. Esparrama amor e saudade na lindíssima Nuvens, na qual fala da despedida da mãe e da chegada do filho. Entra no fluxo de pensamento­s vindos durante horas passadas no bar de Anjo Caído, cuja abertura traz um trecho de uma entrevista do escritor João Antônio (morto em 1996) para um programa de TV. “Eu não sei como é que eu viveria sem escrever. Aliás, só vale viver escrevendo. Se eu não estiver escrevendo, a minha vida vai muito mal”, diz Antônio. “Cheguei a pensar em parar de viver só de música”, reflete Ogi. “Não que eu fosse parar com a música. Se eu parar de escrever, eu morro.”

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ENIO CESAR Hoje. Músico transforma­do pelo nascimento do filho

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