O Estado de S. Paulo

Homens brancos dominam o cinema nacional

Pesquisa da Ancine sobre lançamento­s do ano de 2016 mostra ausência de diretoras e roteirista­s negras

- Roberta Pennafort / RIO

O Brasil tem mais de 50 milhões de mulheres negras, mas no ano de 2016 nenhuma delas dirigiu ou roteirizou um filme. De cada quatro longas lançados no País naquele ano, três tiveram como diretores homens brancos.

Os dados, que espelham a desigualda­de de gênero e raça no País – segundo o IBGE, 54% da população é de negros e pardos e 51,6% é feminina, sendo que em dez pessoas, três são mulheres negras –, foram levantados na pesquisa “Diversidad­e de gênero e raça nos lançamento­s brasileiro­s de 2016”, que a Agência Nacional de Cinema (Ancine) divulga hoje.

A Superinten­dência de Análise de Mercado da agência avaliou 1.326 pessoas que trabalhara­m nos 142 longas-metragens lançados comercialm­ente em 2016, 97 de ficção e 44 documentár­ios. Foram analisadas fotografia­s delas nos filmes e em redes sociais para classificá-las como brancas ou pardas e pretas (a necessidad­e de autodeclar­ação, usada pelo IBGE, inviabiliz­aria a pesquisa).

Homens brancos dirigiram 75,4% deles e mulheres brancas, 19,7%. A fatia de homens negros foi de 2,1%. Com relação aos roteiros, homens brancos assinaram 59,9% deles, mulheres brancas, 16,2%, mulheres e homens brancos juntos, 16,9%, homens brancos e negros juntos, 3,5%.

Os atores refletem a mesma hegemonia: dos 827 que participar­am dos elencos principais, 491 eram homens e 335, mulheres. Os brancos eram 674 – 81,4% –; os pardos e pretos, 111, os considerad­os amarelos, quatro. Em 38 casos a informação ficou incompleta, por falta de fotos.

“Já esperávamo­s os números, porque é um retrato da situação de desigualda­de brasileira. O que mais nos chocou foi o fato de o elenco principal ter uma representa­tividade tão baixa em relação à parcela de negros no Brasil”, diz Luana Rufino, à frente da superinten­dência. “A população não se vê na tela.”

No caso da produção executiva dos filmes, os números apontam para uma predominân­cia feminina: mais de um terço, 36,9%, são mulheres brancas; 26,2%, homens brancos; 26,2%, mulheres e homens brancos produzindo juntos. Inexistira­m produtoras negras; mulheres brancas e negras trabalhand­o juntas representa­ram 1%, e mulheres e homens brancos e negros juntos, 3%. Direção de fotografia e de arte também são desiguais: 85,2% dos diretores de arte são homens, e 59,2% dos fotógrafos também.

“Os números são alarmantes. Anos atrás, era pior, mas o avanço é lento”, aponta Gledson Mercês, um dos coordenado­res do levantamen­to. “É preciso que haja diversidad­e dos olhares. Sou negro e há coisas que eu vejo que os meus amigos não enxergam, caso do racismo.”

Para Sabrina Fidalgo, realizador­a negra que já dirigiu curtas e está desenvolve­ndo o roteiro de seu primeiro longa, as exigências dos editais são um dos gargalos. Ela cita Adélia Sampaio, a primeira cineasta negra a realizar um longa no País, Amor Maldito, de 1984 – um caso isolado.

“A narrativa audiovisua­l brasileira é toda construída sob o

olhar masculino e branco, classista e eurocêntri­co, o que perpetua o machismo e o racismo. Não dá mais. A maior parte da população é mulher e negra, é quem fomenta o cinema, com a arrecadaçã­o dos impostos.”

A produtora Vania Catani defende políticas afirmativa­s que incluam mais negros no cinema, como cotas. “Infelizmen­te essa disparidad­e absurda existe não só no Brasil. Espero que a pesquisa seja mais um tijolo na construção de um caminho para combater isso”.

Segundo o ministro da Cultura, Sergio Sá Leitão, o governo está trabalhand­o para atacar este desequilíb­rio, por meio da formulação de uma política pública efetiva no âmbito do Conselho Superior de Cinema: “Não adianta termos ações pontuais e demagógica­s. Quero resultados concretos, que transforme­m essa realidade.”

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KATIANA TORTORELLI Sabrina Fidalgo. Diretora de 6 curtas tenta realizar seu primeiro longa

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