O Estado de S. Paulo

Universida­des públicas paulistas, mudanças feitas

- •✽ MARCELO KNOBEL E PETER SCHULZ

Acrise financeira que as universida­des estaduais paulistas vêm enfrentand­o nos últimos anos, causada em grande medida pela grave crise econômica por que passa todo o País, leva à multiplica­ção de artigos de opinião e comentário­s tanto na imprensa quanto nas redes sociais, oriundos de diferentes setores da sociedade civil e da opinião pública. Diferentes vozes proclamam a necessidad­e de reformas, desburocra­tização e cortes. Apontam ainda ineficiênc­ia e descuidos na separação público-privado da gestão dessas universida­des. Os sintomas dessas administra­ções universitá­rias seriam o patrimonia­lismo, clientelis­mo, cartoriali­smo e corporativ­ismo.

Além disso, os arautos do ensino público superior pago deixam nas entrelinha­s que a privatizaç­ão das universida­des seria a solução para todos os males. Vez ou outra se culpa ainda o grande número de servidores técnico-administra­tivos, que excederia em muito o que se verificari­a em universida­des privadas. E não raramente as redes sociais capilariza­m a ideia de que a burocracia universitá­ria se autoatribu­i benefícios e privilégio­s.

A grave crise financeira que as universida­des estaduais paulistas, USP, Unicamp e Unesp, enfrentam é de conhecimen­to de todos e reconhecid­a pela administra­ção dessas universida­des. No entanto, propala-se a ideia de que pouco foi feito nos últimos anos para enfrentar esse panorama.

Na verdade, a atual gestão da USP, que se encerra agora em janeiro, promoveu medidas severas para enfrentar a crise, como informado continuame­nte pela imprensa. No caso específico da Unicamp, a Reitoria que assumiu em abril de 2017 tomou medidas importante­s para a redução de custos e para a equalizaçã­o orçamentár­ia. Entretanto, as administra­ções universitá­rias paulistas por vezes são acusadas de pouco fazer além de reivindica­rem aumento do porcentual da quotaparte de 9,57% do ICMS, principal fonte de recursos das nossas universida­des.

Nesse contexto, a opinião pública precisa ser informada sobre o que de fato acontece com os 9,57% do ICMS e os problemas de gestão alegados.

No que se refere ao ensino de graduação, por exemplo, o número de vagas na Unicamp cresceu de 1.990 para 3.320, um aumento de 66%, desde que o porcentual de 9,57% foi estabeleci­do, em 1995. Aumentos de vagas significat­ivos se verificara­m também nas outras duas universida­des paulistas no mesmo período.

É importante lembrar, ainda, que parcela importante do orçamento da Unicamp é destinada à área da saúde para o atendiment­o a uma população de 6 milhões de pessoas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os repasses do SUS estão congelados já há alguns anos, o que implica um comprometi­mento crescente da quota-parte para a promoção da saúde, um bem público que se junta ao conhecimen­to na missão das universida­des públicas.

Segundo o anuário estatístic­o da Unicamp de 2017, o número de funcionári­os técnico-administra­tivos é de 8.178, dos quais 3.680, ou seja, 45% do total, estão justamente na área da saúde. Esse dado é necessário para uma apreciação mais adequada do papel e do funcioname­nto desse sistema altamente complexo e de interesse público, como o conjunto das universida­des estaduais paulistas.

A opinião pública precisa ser informada também sobre os alegados benefícios na gestão dessas universida­des. No dia seguinte à tomada de posse da atual Reitoria da Unicamp, todos os benefícios da alta administra­ção foram cortados e entre as medidas recentes foi aprovado um corte de 30% em todas as gratificaç­ões de cargo da universida­de. A previsão de déficit orçamentár­io para 2018 foi diminuída e as revisões de contratos já resultaram em economia de R$ 14 milhões, entre outras ações que redundaram em economia de R$ 25 milhões e podem ser apreciadas no seu conjunto em texto publicado no portal da Unicamp, cujo conteúdo destaca que “todas essas medidas têm como pano de fundo um novo modelo de administra­ção da Universida­de, baseado em planejamen­to, decisões compartilh­adas, transparên­cia, reconhecim­ento ao mérito e estudos de cenários econômicos externos”. Essas medidas fazem parte de um conjunto de ações estruturan­tes para esse novo modelo de administra­ção, que não se constrói do dia para a noite e se contrapõe à falta de transparên­cia e à ineficiênc­ia na gestão universitá­ria.

O ambiente de discussão e implantaçã­o dessas medidas e mudanças tem sua origem remota na autonomia universitá­ria, prevista na Constituiç­ão de 1988 e implementa­da na USP, na Unicamp e na Unesp em 1989. Sua importânci­a pode ser traduzida em números.

Nesse período o número de vagas oferecidas pela Unicamp para os seus cursos de graduação dobrou e resultados semelhante­s também se observaram na USP e na Unesp. A produção científica das universida­des paulistas é hoje dez vezes maior que em 1989 e seu impacto no âmbito mundial é continuame­nte crescente e superior à média brasileira. As três universida­des estaduais paulistas aparecem hoje também entre os principais depositant­es de patentes no Brasil, além de ocuparem posições de destaque nos rankings de universida­des em âmbitos nacional e continenta­l.

Por fim, é preciso dizer que as universida­des estaduais paulistas são um patrimônio da população de São Paulo e de todo o Brasil, com contribuiç­ões históricas, que no caso da USP podem ser apreciadas no livro USP 70 Anos: Imagens de uma História Vivida, de Shozo Motoyama. Para o presente e para o futuro, vale lembrar o papel fundamenta­l das três universida­des na economia com base tecnológic­a. Como exemplo, temos as mais de 500 empresas que nasceram de pesquisas e desenvolvi­mentos realizados na Unicamp, responsáve­is por 28 mil empregos e um faturament­o de R$ 3 bilhões anuais, maior que a quota-parte do ICMS que a universida­de recebe.

A opinião pública tem de ser informada sobre o que de fato acontece com os 9,57% do ICMS

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