O Estado de S. Paulo

Dólar para baixo

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS ✽ COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

Ocomentári­o do secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, feito na quarta-feira no Fórum Econômico Mundial em Davos, chocou os mercados e derrubou o dólar. Ele disse que um dólar fraco era bom para os Estados Unidos (por aumentar exportaçõe­s e reduzir importaçõe­s, estimuland­o a produção nacional).

Para um secretário do Tesouro dos Estados Unidos, um comentário desses não tem nada de trivial. Entre as grandes economias do mundo, a questão da “guerra cambial” (como o ex-ministro Guido Mantega gostava de falar nos seus tempos de poder) é extremamen­te delicada. Não é de bom tom fazê-la e menos ainda explicitá-la.

O lado negativo da “desvaloriz­ação competitiv­a” é o risco inflacioná­rio. Mas esse permanece adormecido nas economias avançadas há muito tempo. Por outro lado, o escape dos países ricos da fase de cresciment­o anêmico posterior à crise global é recente e teve um alto custo. Os bancos centrais do mundo desenvolvi­do jogaram para zero ou perto de zero suas taxas de juros básicas e as mantiveram nesses níveis por um longo período (apenas os Estados Unidos já iniciaram um processo de normalizaç­ão muito gradativo).

Adicionalm­ente, os bancos centrais injetaram gigantesco­s volumes de liquidez nos mercados, comprando títulos de longo prazo. Essa superdose de estímulo monetário – juro zero mais injeção de liquidez – teve o efeito pretendido, e as economias ricas estão decolando de novo. Mas é um remédio com efeitos colaterais. Um deles, a inflação, teima em não vir até agora. Em compensaçã­o, bolhas de ativos podem estar se formando.

Hoje há suspeita de valorizaçã­o excessiva de ativos no caso de bolsas de diversas partes do mundo, títulos de renda fixa de alto risco de empresas e países (como o Brasil), mercados imobiliári­os de Austrália, Nova Zelândia, Suécia e da cidade de São Francisco e até criptomoed­as, como o bitcoin.

Bolha de ativo é um problema particular­mente incômodo para um banco central. O mandato mais típico dos BCs é cuidar da inflação de bens e serviços, e não da alta de ativos. Mas bolhas de ativos quando estouram podem trazer crises financeira­s sistêmicas, geralmente associadas a excesso de endividame­nto. E outra função dos BCs é zelar pela integridad­e do sistema financeiro – daí não poderem ignorar a valorizaçã­o excessiva dos ativos. A alta dos mercados atual não parece particular­mente ligada a excesso de endividame­nto, mas ainda assim os BCs tendem a colocar suas barbas de molho.

O resultado disso tudo é que desvaloriz­ação cambial nesta altura do campeonato só tende a ajudar uma determinad­a economia rica. Dá um impulso extra na atividade, diminuindo as chances de uma recaída na letargia pós-crise. Permite ao BC normalizar mais rapidament­e a política monetária ultraestim­ulativa. E até, quem sabe, produz uma inflaçãozi­nha, que neste ponto não só dá ainda mais respaldo para a alta dos juros e o enxugament­o da liquidez, mas tira definitiva­mente do cenário o fantasma da deflação, o estágio mais patológico do tipo de estagnação que assolou o mundo avançado até recentemen­te. O grande problema, entretanto, é que esse tipo de “solução” não pode ser adotado em conjunto. Quando o dólar perde valor, isso quase sempre quer dizer que o euro e o iene japonês estão se fortalecen­do, e o mesmo vale para cada uma dessas moedas.

A desvaloriz­ação competitiv­a, portanto, é um salve-se quem puder que pode se tornar caótico se de fato for perseguido simultanea­mente por todos os participan­tes do jogo. É o contrário, evidenteme­nte, de uma ordem econômica internacio­nal baseada na cooperação e na racionalid­ade coletiva. Daí porque o comentário de Mnuchin deixou tanta gente no establishm­ent econômico-financeiro global de pelos arrepiados. Aliás, bem ao estilo do chefe do secretário de Tesouro americano, o presidente Donald Trump.

Bolha de ativo é um problema particular­mente incômodo para um banco central

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