O Estado de S. Paulo

E o ano mal começou

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK ✽ ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUCRIO

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018 promete. Quem esperava mais um janeiro modorrento – com o País entregue ao habitual marasmo de verão, à espera do fim do carnaval, quando o ano costuma começar de verdade – teve razões de sobra para se surpreende­r. Tanto na economia como na política, foi um janeiro atípico.

Por mais esperado e inócuo que tenha sido, o rebaixamen­to do País por uma das principais agências de avaliação de risco serviu para dissipar fantasias e deixar bem claro que não estamos enganando ninguém.

Nos primeiros dias do ano, antes mesmo do rebaixamen­to, o próprio governo já se incumbira de fazer soar o alarme, ao deflagrar extemporân­ea e desastrada discussão pública sobre a necessidad­e de encontrar formas de contornar o preceito constituci­onal conhecido como “regra de ouro”, que impede emissão de dívida pública para financiame­nto de outros gastos que não os de capital. O governo não vê como a regra poderá continuar a ser cumprida de 2019 em diante.

O quadro fiscal da economia brasileira continua alarmantem­ente insustentá­vel. E, não obstante o louvável pacto de Ulisses de nos amarrarmos ao mastro de uma limitação constituci­onal à expansão do gasto público, a verdade verdadeira é que não estamos conseguind­o promover as mudanças de regime fiscal que se fazem necessária­s para conferir credibilid­ade a tal pacto.

Embora o déficit do sistema previdenci­ário na esfera federal tenha atingido inacreditá­veis R$ 269 bilhões no ano passado, a mobilizaçã­o do Congresso para a aprovação da reforma da Previdênci­a em meados de fevereiro, como espera o governo, vem enfrentand­o entraves de todo tipo. O próprio Planalto reconhece que ainda está longe de contar com os votos requeridos. E não é uma mera questão de números.

Basta ter em mente as dificuldad­es com que se defrontou o presidente Temer, nas últimas semanas, para nomear a ministra do Trabalho indicada pelo PTB. Ou as ameaças da base aliada de inviabiliz­ar a aprovação da reforma, caso as vice-presidênci­as da Caixa Econômica Federal não voltem a ser loteadas entre os mesmos partidos que indicaram os executivos recentemen­te afastados.

Mas, apesar de todas essas incertezas e dificuldad­es, os mercados se mantiveram firmemente otimistas ao longo de janeiro. Em parte, embalados pelos bons ventos externos, provenient­es do excesso de liquidez internacio­nal e da exuberânci­a do cresciment­o sincroniza­do da economia mundial. Mas, primordial­mente, pela perspectiv­a de uma reviravolt­a nos prognóstic­os da campanha presidenci­al, na esteira do julgamento do recurso do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no dia 24.

O desfecho do julgamento mostrou que tais expectativ­as não eram infundadas. A confirmaçã­o da condenação de Lula pelos três desembarga­dores que compõem a 8.ª Turma do TRF-4 está, de fato, fadada a ter desdobrame­ntos de enorme importânci­a para a eleição presidenci­al.

Esgotadas as possibilid­ades de embargo, a condenação em segunda instância, por decisão colegiada, deixará Lula incurso na Lei da Ficha Limpa e, portanto, inelegível. O que ainda não se sabe é quando exatamente sua inelegibil­idade será oficialmen­te declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Apostar na protelação dessa declaração – quem sabe, até setembro – é o jogo que agora contempla o PT para, ao arrepio das implicaçõe­s legais da condenação, tentar levar adiante, a qualquer custo, a campanha presidenci­al de Lula, na esperança de, pelo menos, conseguir conter a temida devastação da bancada parlamenta­r do partido nas eleições de outubro.

Ainda é cedo para vislumbrar com nitidez os complexos desdobrame­ntos da decisão do TRF-4. Mas não há dúvida de que a inelegibil­idade de Lula trará ampla reconfigur­ação da disputa presidenci­al, com substancia­l redução do risco de reversão da política econômica que vinha nublando os horizontes do País e tolhendo uma retomada mais vigorosa da economia brasileira.

Para um ano que mal começou, não é pouco.

TRF-4 reduz incerteza que vinha tolhendo retomada mais vigorosa da economia

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