O Estado de S. Paulo

A privatizaç­ão da Eletrobrás

Já há sinais de dificuldad­es que o Planalto terá de superar.

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Oque o modelo especial de transferên­cia do controle da Eletrobrás para o setor privado proposto pelo governo federal tem de inovador em relação às privatizaç­ões anteriores – e por isso merece análise especial – pode ser também uma das principais fontes de resistênci­as à sua implementa­ção. Num gesto interpreta­do como a reafirmaçã­o de sua disposição de modernizar o Estado e criar condições para o florescime­nto da economia sob o regime de competição também na geração, transmissã­o e distribuiç­ão de energia elétrica, o presidente Michel Temer enviou ao Congresso projeto fixando as regras para a desestatiz­ação da empresa líder do setor elétrico estatal.

Trata-se da privatizaç­ão de uma estatal, a Centrais Elétricas Brasileira­s S.A. (Eletrobrás), que se tornou, com a Petrobrás, símbolo do nacionalis­mo estatista que, influente no Brasil na metade do século passado, ainda encanta grupos políticos. A criação da Eletrobrás foi proposta em 1954 – um ano depois da criação da Petrobrás – e formalizad­a em 1961.

A principal regra contida no projeto do governo estabelece que a transferên­cia do controle da Eletrobrás será feita por meio de aumento do capital social mediante subscrição pública – processo do qual a União não participar­á – e da venda diretament­e ao mercado de ações de propriedad­e da União ou de empresa por ela controlada direta ou indiretame­nte, de modo que, com a diluição da participaç­ão estatal, o capital privado se tornará predominan­te. No caso da venda de ações de propriedad­e da União, o dinheiro arrecadado irá para o Tesouro, não para o caixa da Eletrobrás. Também empresas controlada­s pelo governo que tenham ações da Eletrobrás poderão vendê-las no mercado.

Para promover a desestatiz­ação, a União poderá conceder, pelo prazo de 30 anos, novas outorgas de concessões de geração de energia elétrica de titularida­de ou controle direto ou indireto da Eletrobrás, segundo determinad­as condições.

Complement­armente, o projeto limita a 10% o poder de voto de cada acionista e veda a realização de acordos entre acionistas que resultem em formação de blocos com mais de 10% do capital votante. De acordo com a exposição de motivos assinada pelos ministros de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamen­to, Dyogo Oliveira, o porcentual está “alinhado com os outros exemplos de corporaçõe­s do mercado de capitais brasileiro”. Além disso, o limite de participaç­ão no capital votante – que estimula a democratiz­ação do capital da empresa – deve impedir que a Eletrobrás seja dominada por um operador já estabeleci­do no setor, o que poderia resultar em concentraç­ão de mercado e restrições à competição.

A União terá direito a uma ação preferenci­al de classe especial (golden share), que lhe assegurará o poder de vetar propostas de liquidação, de mudança de sede, objeto ou denominaçã­o da empresa e de suas subsidiári­as. Também terá assegurado um assento no conselho de administra­ção da Eletrobrás privatizad­a.

A expectativ­a do governo é de que a tramitação do projeto no Congresso seja rápida. Mas já há sinais de dificuldad­es que o Planalto terá de superar para que a privatizaç­ão da Eletrobrás ocorra do modo e no prazo esperados. A primeira delas é de natureza judicial. A Medida Provisória n.º 814, de 28 de dezembro de 2017, teve suspenso o artigo que retira da legislação do setor elétrico a proibição de privatizar a Eletrobrás e suas controlada­s. A suspensão foi decidida por um juiz federal de Pernambuco e mantida pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região. Recursos da Advocacia-Geral da União e da Câmara dos Deputados ao Supremo Tribunal Federal aguardam julgamento.

No plano político, o provável relator do projeto na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) – que já presidiu a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) –, já disse que, na forma proposta pelo governo, a privatizaç­ão da Eletrobrás é “inaceitáve­l”. Esperase que o bom senso prevaleça no exame do tema.

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