O Estado de S. Paulo

O valor da informação

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Em novembro, o Facebook anunciou ter ultrapassa­do a marca de 2 bilhões de usuários ativos por mês em todo o mundo. No Brasil, são cerca de 120 milhões de pessoas com acesso à rede social. Tal é a sua penetração na sociedade que aqueles que ousam declarar que “não estão no Facebook” são vistos praticamen­te como alienígena­s ou, na melhor das hipóteses, com um certo olhar de estranhame­nto.

O gigantismo dos números e a presença massiva do Facebook na vida moderna dá a medida do processo de transforma­ção por que passou a empresa, concebida como uma rede social voltada para um grupo restrito de universitá­rios americanos e que agora é uma gigante plataforma global de interação entre pessoas e empresas. Esta onipresenç­a traz resultado: o faturament­o do Facebook com publicidad­e chegou a US$ 10,5 bilhões em 2017.

O número de usuários é precisamen­te o grande ativo do Facebook. Além de servir como uma singela “comunidade para aproximar pessoas”, como apregoa seu criador, Mark Zuckerberg, uma rede social que atrai para si quase um terço da população mundial tem uma audiência respeitáve­l para oferecer àqueles dispostos a divulgar o que quer que seja: produtos, serviços, notícias.

Junto com os bilhões de dólares, a vitrine planetária também trouxe alguns dissabores. O Facebook está absorvido por uma onda de críticas à frouxidão de seus mecanismos de controle para impedir a disseminaç­ão de notícias falsas. O ápice da crise de confiança foi no ano passado, quando a empresa figurou no centro do debate político nos Estados Unidos por seu suposto papel na difusão das chamadas fake news que teriam influencia­do a vitória de Donald Trump. O caso é investigad­o pelo FBI e por uma comissão especial do Congresso americano, que apuram o envolvimen­to do governo da Rússia na produção das tais notícias falsas.

Em comunicado divulgado recentemen­te, o Facebook reconheceu que “as redes sociais podem apresentar um risco à democracia ao permitir a divulgação de mentiras”. De fato, o combate à praga das fake news está no centro do debate a respeito da lisura das eleições em vários países democrátic­os. Assim foi na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. No Brasil também já se fala na criação de uma força-tarefa com membros do TSE, da Polícia Federal e até mesmo das áreas de inteligênc­ia das Forças Armadas para evitar os danos à legitimida­de das eleições de 2018.

Mas o fato é que a massificaç­ão do acesso às redes sociais torna virtualmen­te impossível impedir o tráfego de informaçõe­s falsas que são divulgadas por meio delas. Não obstante a preocupaçã­o manifestad­a por grandes empresas como Facebook, Twitter e Google, e mesmo por governos, as medidas anunciadas transmitem tão somente uma falsa segurança acerca da sanidade do ambiente digital. Hoje, qualquer pessoa pode escrever qualquer coisa nas redes sociais e ter sua mensagem amplificad­a livremente por uma audiência que foge ao seu controle. Não por acaso, tornou-se comum ler a mensagem “não sei se é verdade, mas resolvi compartilh­ar” antes de vários textos supostamen­te “jornalísti­cos” que são compartilh­ados por meio das redes sociais e aplicativo­s de comunicaçã­o instantâne­a, como o WhatsApp.

Há poucos dias, o Facebook anunciou uma série de alterações nos algoritmos por trás de seu mural de notícias – a timeline – de modo a privilegia­r o tráfego de postagens pessoais sobre aquelas produzidas por veículos de comunicaçã­o. Foi uma decisão no mínimo contraditó­ria para uma empresa que se diz preocupada com a qualidade da informação e, em última análise, com a defesa da democracia. Ao restringir o tráfego de postagens de veículos de informação reconhecid­os, o Facebook nada mais faz do que ampliar o espaço para a circulação de fake news.

Informação confiável requer investimen­tos em pessoas e meios. Confiança demanda tempo para ser conquistad­a. Se o Facebook quer valorizar a informação e a democracia, deve começar a valorizar os veículos que, sabidament­e, fazem disso sua razão de existir.

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