‘Impugnação não é só atribuição do MPE’, diz procurador.
‘Não tendemos a imaginar o Ministério Público, o TSE, como salvador da Pátria’, diz Humberto Jacques
Representante da Procuradoria-Geral da República no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Humberto Jacques disse ao Estado que “quem tem de punir alguém é o eleitor com o voto”. Segundo o vice-procurador-geral eleitoral, o Ministério Público garantirá a lisura da eleição e o respeito à lei.
“Não estamos aqui para selecionar um candidato. Isso é do eleitor. Estamos para garantir que todos sejam tratados igualmente dentro do sistema eleitoral.” Ao falar do provável enquadramento na Lei da Ficha Limpa da candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve a condenação mantida pela 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), Jacques disse que a questão não é só do MP.
Com o ex-presidente Lula condenado no TRF-4 e enquadrado na Lei da Ficha Limpa, o Ministério Público Eleitoral pedirá a impugnação da candidatura dele? Espero que também outros partidos o façam. O jogo é jogado por todos: não é só o MPE que tem esse poder de postular na Justiça uma impugnação de candidatura. Essa é uma decisão para ser tomada na hora certa e examinando o comportamento de todos os demais atores. E nem é minha, é da doutora Raquel (Dodge, procuradora-geral da República), não sei dizer o que ela fará. Na hora de tomar essa decisão, vai se examinar: “A regra é essa”, “Está ou não está na regra” e o que os demais atores fizeram.
Causa insegurança jurídica a insistência de um candidato em viabilizar a candidatura enquadrado na Lei da Ficha Limpa?
A pergunta é boa para fazer a ele (Lula). O sistema judicial é feito para dar segurança. Há um tempo da Justiça e um da política. Parte da responsabilidade dos atores desse jogo é que façam com que esses tempos cheguem a um ponto em que as instituições funcionem sem problemas. A Justiça Eleitoral é a que melhor captura que o tempo da Justiça tem de ser mais curto, porque o da política é muito rápido.
A Justiça Eleitoral vai ser rápida na análise do caso Lula?
Sim, ela deve ser pela sua natureza, ela tem de ser.
Há preocupação com a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal dar a última palavra sobre isso e até uma nova eleição ser convocada?
Em um ano eleitoral, tem algumas responsabilidades que são minhas, da dra. Raquel, outras que são do TSE. Se a gente tiver um suspense permanente sobre candidaturas no País, isso é um problema não só nosso, mas de todos os brasileiros. Não tendemos a imaginar o Ministério Público, o TSE, ou qualquer ator como sendo o salvador da Pátria, aquele que vai evitar o apocalipse. É uma sociedade madura, uma democracia sólida, e você espera que cada um faça sua parte.
O presidente Michel Temer disse que seria melhor uma derrota de Lula nas urnas do que na Justiça, para evitar vitimização. Aqui cumprimos as regras do jogo. As pessoas tornam-se elegíveis ou não na Justiça Eleitoral, mas por coisas que fazem fora daqui. As coisas são decididas fora da Justiça Eleitoral; aqui apenas acontecem consequências. Se lá decidiram assim, logo aqui é esse o efeito, é uma consequência de atores externos, e o que os atores externos fazem, a Justiça Eleitoral não patrulha e não decide. São as regras do jogo.
O que esperar da atuação do MPE nesta campanha?
Você sabe quem é o Mike Tyson, quem é o Muhammad Ali, conhece esses boxeadores, mas não sabe quem eram os juízes das lutas que eles venceram. O processo eleitoral tem seus protagonistas. Somos atores com papel significativo nesse processo, mas não protagonistas. O Ministério Público garantirá a lisura do processo eleitoral, o respeito à legislação e a preservação dos limites de comportamento dos atores. Mas não estamos aqui para selecionar um candidato. Isso é do eleitor. Estamos aqui para garantir que todos sejam tratados igualmente dentro do sistema eleitoral. Quem tem de punir aqui é o eleitor com o voto.
Como o sr. vê essa eleição pós-impeachment, em meio aos desdobramentos da Lava Jato e com o fundo eleitoral bilionário? Não tem eleição fácil. Toda eleição tem suas dificuldades, vicissitudes, singularidades. O peculiar desta eleição é que temos problemas mais agudos, precisamos de mais soluções e pessoas para resolvê-los.
O TSE mudará sua composição e tenderá, segundo analistas, a ficar mais rigoroso. A mudança pode trazer insegurança?
Uma das coisas previsíveis da Justiça Eleitoral é a mudança de seus juízes. O forte do papel do TSE não é de sanção, mas garantidor da regularidade do processo, de que as coisas corram no formato.
Haverá mais controle do caixa 2 nestas eleições?
O sistema é cada vez mais rigoroso com o caixa 2 e todos os mecanismos para desestimular isso estão sendo estabelecidos. Se as pessoas vão cair na tentação, a gente não pode decidir por elas. O que podemos dizer é: “Se você cair na tentação, pecado haverá. Havendo pecado, há penitência”.
O fundo eleitoral terá R$ 1,75 bilhão. Considera valor elevado? Não dá para ter uma democracia gratuita, tem um custo. Mas a gente sabe que é melhor pagar isso do que não pagar, do que não ter eleição. Como nós estamos inaugurando o modelo do financiamento público, a gente tem de testá-lo e ver. Estamos entrando num território nunca dantes navegado e vamos todos aprender com essa experiência.
Cenário
“Não tem eleição fácil. Toda eleição tem suas dificuldades, vicissitudes, singularidades. O peculiar desta eleição é que temos problemas mais agudos, precisamos de mais soluções e pessoas para resolvê-los.”
“Não tendemos a imaginar o Ministério Público, o TSE, ou qualquer ator como sendo o salvador da Pátria.”
Qual será o papel do MPE no debate sobre fake news?
A preocupação é não retroceder nas liberdades fundamentais, não estatizar a verdade, não policiar as pessoas. A gente tem primeiro de dissecar o que o fenômeno fake news tem de grave e novo.