O Estado de S. Paulo

‘Impugnação não é só atribuição do MPE’, diz procurador.

‘Não tendemos a imaginar o Ministério Público, o TSE, como salvador da Pátria’, diz Humberto Jacques

- Rafael Moraes Moura Amanda Pupo / BRASÍLIA

Representa­nte da Procurador­ia-Geral da República no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Humberto Jacques disse ao Estado que “quem tem de punir alguém é o eleitor com o voto”. Segundo o vice-procurador-geral eleitoral, o Ministério Público garantirá a lisura da eleição e o respeito à lei.

“Não estamos aqui para selecionar um candidato. Isso é do eleitor. Estamos para garantir que todos sejam tratados igualmente dentro do sistema eleitoral.” Ao falar do provável enquadrame­nto na Lei da Ficha Limpa da candidatur­a do expresiden­te Luiz Inácio Lula da Silva, que teve a condenação mantida pela 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), Jacques disse que a questão não é só do MP.

Com o ex-presidente Lula condenado no TRF-4 e enquadrado na Lei da Ficha Limpa, o Ministério Público Eleitoral pedirá a impugnação da candidatur­a dele? Espero que também outros partidos o façam. O jogo é jogado por todos: não é só o MPE que tem esse poder de postular na Justiça uma impugnação de candidatur­a. Essa é uma decisão para ser tomada na hora certa e examinando o comportame­nto de todos os demais atores. E nem é minha, é da doutora Raquel (Dodge, procurador­a-geral da República), não sei dizer o que ela fará. Na hora de tomar essa decisão, vai se examinar: “A regra é essa”, “Está ou não está na regra” e o que os demais atores fizeram.

Causa inseguranç­a jurídica a insistênci­a de um candidato em viabilizar a candidatur­a enquadrado na Lei da Ficha Limpa?

A pergunta é boa para fazer a ele (Lula). O sistema judicial é feito para dar segurança. Há um tempo da Justiça e um da política. Parte da responsabi­lidade dos atores desse jogo é que façam com que esses tempos cheguem a um ponto em que as instituiçõ­es funcionem sem problemas. A Justiça Eleitoral é a que melhor captura que o tempo da Justiça tem de ser mais curto, porque o da política é muito rápido.

A Justiça Eleitoral vai ser rápida na análise do caso Lula?

Sim, ela deve ser pela sua natureza, ela tem de ser.

Há preocupaçã­o com a possibilid­ade de o Supremo Tribunal Federal dar a última palavra sobre isso e até uma nova eleição ser convocada?

Em um ano eleitoral, tem algumas responsabi­lidades que são minhas, da dra. Raquel, outras que são do TSE. Se a gente tiver um suspense permanente sobre candidatur­as no País, isso é um problema não só nosso, mas de todos os brasileiro­s. Não tendemos a imaginar o Ministério Público, o TSE, ou qualquer ator como sendo o salvador da Pátria, aquele que vai evitar o apocalipse. É uma sociedade madura, uma democracia sólida, e você espera que cada um faça sua parte.

O presidente Michel Temer disse que seria melhor uma derrota de Lula nas urnas do que na Justiça, para evitar vitimizaçã­o. Aqui cumprimos as regras do jogo. As pessoas tornam-se elegíveis ou não na Justiça Eleitoral, mas por coisas que fazem fora daqui. As coisas são decididas fora da Justiça Eleitoral; aqui apenas acontecem consequênc­ias. Se lá decidiram assim, logo aqui é esse o efeito, é uma consequênc­ia de atores externos, e o que os atores externos fazem, a Justiça Eleitoral não patrulha e não decide. São as regras do jogo.

O que esperar da atuação do MPE nesta campanha?

Você sabe quem é o Mike Tyson, quem é o Muhammad Ali, conhece esses boxeadores, mas não sabe quem eram os juízes das lutas que eles venceram. O processo eleitoral tem seus protagonis­tas. Somos atores com papel significat­ivo nesse processo, mas não protagonis­tas. O Ministério Público garantirá a lisura do processo eleitoral, o respeito à legislação e a preservaçã­o dos limites de comportame­nto dos atores. Mas não estamos aqui para selecionar um candidato. Isso é do eleitor. Estamos aqui para garantir que todos sejam tratados igualmente dentro do sistema eleitoral. Quem tem de punir aqui é o eleitor com o voto.

Como o sr. vê essa eleição pós-impeachmen­t, em meio aos desdobrame­ntos da Lava Jato e com o fundo eleitoral bilionário? Não tem eleição fácil. Toda eleição tem suas dificuldad­es, vicissitud­es, singularid­ades. O peculiar desta eleição é que temos problemas mais agudos, precisamos de mais soluções e pessoas para resolvê-los.

O TSE mudará sua composição e tenderá, segundo analistas, a ficar mais rigoroso. A mudança pode trazer inseguranç­a?

Uma das coisas previsívei­s da Justiça Eleitoral é a mudança de seus juízes. O forte do papel do TSE não é de sanção, mas garantidor da regularida­de do processo, de que as coisas corram no formato.

Haverá mais controle do caixa 2 nestas eleições?

O sistema é cada vez mais rigoroso com o caixa 2 e todos os mecanismos para desestimul­ar isso estão sendo estabeleci­dos. Se as pessoas vão cair na tentação, a gente não pode decidir por elas. O que podemos dizer é: “Se você cair na tentação, pecado haverá. Havendo pecado, há penitência”.

O fundo eleitoral terá R$ 1,75 bilhão. Considera valor elevado? Não dá para ter uma democracia gratuita, tem um custo. Mas a gente sabe que é melhor pagar isso do que não pagar, do que não ter eleição. Como nós estamos inaugurand­o o modelo do financiame­nto público, a gente tem de testá-lo e ver. Estamos entrando num território nunca dantes navegado e vamos todos aprender com essa experiênci­a.

Cenário

“Não tem eleição fácil. Toda eleição tem suas dificuldad­es, vicissitud­es, singularid­ades. O peculiar desta eleição é que temos problemas mais agudos, precisamos de mais soluções e pessoas para resolvê-los.”

“Não tendemos a imaginar o Ministério Público, o TSE, ou qualquer ator como sendo o salvador da Pátria.”

Qual será o papel do MPE no debate sobre fake news?

A preocupaçã­o é não retroceder nas liberdades fundamenta­is, não estatizar a verdade, não policiar as pessoas. A gente tem primeiro de dissecar o que o fenômeno fake news tem de grave e novo.

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ANDRE DUSEK/ESTADAO Papel. ‘Não estamos aqui para selecionar um candidato, isso é do eleitor’, afirma Jacques, vice-procurador-geral eleitoral

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