O Estado de S. Paulo

Proibição de deixar o País pode ser ordenada no curso do processo

- Fernanda de Almeida Carneiro CRIMINALIS­TA E PROFESSORA DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO DO IDP-SÃO PAULO

Ao condenar Lula pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o triplex no Guarujá, já era de conhecimen­to dos desembarga­dores do TR-4 que o ex-presidente tinha viagem marcada para ontem, quando iria para Adis Abeba, na Etiópia, participar de encontro da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU).

Ainda que se especulass­e acerca da possibilid­ade de Lula pedir asilo político naquele país, não houve qualquer proibição para que ele deixasse o Brasil.

Todavia, um dia antes da viagem, anteontem, o juiz Ricardo Leite, da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, nos autos do processo que apura suposto tráfico de influência de Lula na compra, pela Força Aérea Brasileira, de caças suecos, determinou a apreensão do passaporte do ex-presidente.

Embora tenha entregado o passaporte, a defesa de Lula, em nota, afirmou estar estarrecid­a com a decisão, alegando que o direito de ir e vir, assegurado pela Constituiç­ão Federal, somente poderia ser restringid­o na hipótese de decisão transitada em julgado.

Diferentem­ente do alegado pela defesa do ex-presidente, a proibição de ausentarse do País pode ser determinad­a no curso do processo, sendo uma das medidas cautelares alternativ­as à prisão, prevista no artigo 320 do nosso Código de Processo Penal. Tais medidas devem ser utilizadas se necessária­s para a aplicação da lei penal, para investigaç­ão ou instrução, ou para evitar a prática de infrações penais.

Ao determinar a retenção do passaporte de Lula, o magistrado do DF, acolhendo manifestaç­ão ministeria­l, argumentou que, com a proximidad­e da execução provisória da pena, no processo envolvendo o triplex, passou a existir risco concreto de fuga, o que frustraria futura e eventual aplicação de pena nos autos sob sua jurisdição. A viagem para a Etiópia seria especialme­nte “perigosa”, já que o país não tem acordo de extradição com o Brasil.

A princípio, condenação em outro processo e viagem anteriorme­nte marcada, de conhecimen­to dos desembarga­dores federais que o condenaram, não seriam, por si só, argumentos suficiente­mente capazes de justificar a medida tomada. Todavia, em discursos proferidos após a condenação, Lula afirmou que não aceita a “mentira pela qual eles tomaram a decisão”.

Assim, a sinalizaçã­o de que pretende desrespeit­ar a decisão dos desembarga­dores federais do TRF-4, mais do que a condenação ou a viagem em si, revela o perigo concreto de fuga que justifica a decisão cautelar.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil