O Estado de S. Paulo

Intervençã­o armada é péssima ideia

Nenhum governo apoiará uma ação militar na Venezuela e há o risco de derramamen­to de sangue

- / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Oque fazer quando um regime se mantém no poder pela ditadura e lança sua população na miséria? É com esta questão que a oposição na Venezuela vem se debatendo desde que venceu as eleições legislativ­as em 2015, mas viu o governo de Nicolás Maduro usar seus tribunais fantoches para remover os poderes de um Parlamento legítimo.

A oposição tentou duas estratégia­s. Uma foi o protesto prolongado, ao qual o governo respondeu com violência: 120 pessoas morreram, muitas nas mãos das forças de segurança. E, apesar dos protestos, Maduro criou uma Assembleia Constituin­te, escolhida a dedo, para substituir o Parlamento.

A segunda estratégia foi tentar negociar com o regime a realização de uma eleição presidenci­al livre e imparcial no fim deste ano. Em tese, as duas opções não são incompatív­eis, mas, na prática, elas dividiram a oposição (que pagou um preço muito alto por não conseguir formar um partido único, com um único líder).

Em conversaçõ­es com a oposição este mês, o governo foi intransige­nte. Vetou os dois mais populares líderes de disputarem a eleição para presidente. E não concordou com um monitorame­nto da votação por parte de uma entidade internacio­nal. Em desespero, os opositores podem fechar um acordo por muito menos.

Na Venezuela, as condições de vida continuam a se deteriorar. Além da escassez de alimentos, de remédios e do crime desenfread­o, o país agora registra uma hiperinfla­ção. A situação desesperad­ora leva a algumas opiniões desesperad­as também. Alertando para a fome iminente, Ricardo Hausmann, economista venezuelan­o da Universida­de Harvard, apelou este mês ao Parlamento para nomear um novo presidente que convocaria uma ação militar internacio­nal para destituir o regime.

É uma péssima ideia e é improvável que isso ocorra. Nenhum governo latino-americano a apoiará. Tampouco Donald Trump, embora tenha pensado a respeito. E há o risco de um derramamen­to de sangue em grande escala. A Venezuela tem um Exército bem equipado.

O mais provável é uma ação de guerrilha pelos venezuelan­os. O que, de certo modo, já começou. Em 15 de janeiro, as forças de segurança encurralar­am Óscar Pérez, policial que liderou um ataque contra um depósito de armas da Guarda Nacional. Ele se rendeu, mas foi morto com seis companheir­os.

A brutalidad­e de Maduro revela inseguranç­a. Seu regime pode ter pulverizad­o a oposição, mas está sob pressão. No país, ocorreram novos saques e protestos em razão da escassez. Uma queda na produção de petróleo tem neutraliza­do os recentes aumentos de preço do produto. As sanções financeira­s impostas por Trump tornaram mais difícil para Maduro levantar fundos no exterior.

Num aspecto, Hausman apresenta um argumento válido. A América Latina não pode ficar de braços cruzados diante de uma calamidade provocada e sem precedente­s na Venezuela. A região deve exercer mais pressão financeira e diplomátic­a contra o regime. Não é uma garantia de sucesso, mas as alternativ­as são piores.

A região deve exercer mais pressão financeira e diplomátic­a contra o regime de Maduro

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