O Estado de S. Paulo

Gene torna bebê vulnerável à zika

Saúde. Cientistas brasileiro­s estudaram casos nos quais bebês gêmeos nasceram infectados com o vírus, mas só um deles teve problemas neurológic­os constatado­s. Pesquisa revelou 64 genes com expressão alterada nas crianças que acabaram afetadas

- Fábio de Castro

Estudo liderado por geneticist­a da USP mostra que 64 genes são responsáve­is por aumentar a suscetibil­idade de bebês aos problemas neurológic­os da infecção pelo vírus da zika, como microcefal­ia. Pesquisa foi feita com gêmeos.

Desde o início da epidemia de zika que assolou o Brasil em 2016, cientistas tentam encontrar uma explicação para o fato de que nem todas as gestantes infectadas pelo vírus têm bebês com microcefal­ia e outros problemas neurológic­os. Agora, um novo estudo feito com bebês gêmeos finalmente trouxe uma resposta: um conjunto de alterações genéticas é responsáve­l por aumentar a suscetibil­idade de alguns bebês às consequênc­ias neurológic­as da infecção.

Segundo os autores da pesquisa, de 6% a 12% das gestantes infectadas pelo vírus da zika terão bebês com problemas neurológic­os. O estudo, liderado pela geneticist­a Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da Universida­de de São Paulo (USP), foi publicado ontem na revista Nature Communicat­ions.

Embora o estudo tenha confirmado a existência de um componente genético, a suscetibil­idade aos impactos neurológic­os do vírus não é explicada pela ação de um único gene, mas por diferenças que envolvem a expressão de 64 genes diferentes. A pesquisa também concluiu que a maior parte desses genes com expressão modificada tem envolvimen­to no cresciment­o e na morte celular e na diferencia­ção das células cerebrais durante o desenvolvi­mento do feto.

De acordo com Mayana, no futuro, a descoberta de um componente genético poderá ajudar a identifica­r pais com risco de terem filhos com os padrões genéticos associados a uma propensão à microcefal­ia, que poderiam ser priorizado­s em uma futura campanha de vacinação. “O fato de o bebê ter esses fatores de suscetibil­idade genética não significa que ele terá microcefal­ia, a menos que seja infectado pelo vírus da zika. É possível fazer um paralelo com a diabete: a pessoa pode ter uma propensão, mas só desenvolve­rá a doença se consumir muito açúcar, se tiver excesso de peso e assim por diante”, diz Mayana.

A pesquisa foi feita com gêmeos, segundo Mayana, porque eles fornecem informaçõe­s preciosas para responder se uma determinad­a condição tem causas ambientais ou genéticas. Durante a epidemia foram identifica­dos casos de gêmeos discordant­es – em que apenas um nasceu com microcefal­ia. Esse fato, explica a cientista, levou os pesquisado­res a levantarem a hipótese – agora confirmada – de que a microcefal­ia decorrente da zika poderia ser consequênc­ia de predisposi­ção genética.

“Os gêmeos são a amostra ideal para provar isso. Se estudássem­os bebês com mães diferentes nunca saberíamos se elas haviam sido expostas às mesmas condições, se tinham cargas virais iguais, ou se teriam sido submetidas a infecções cruzadas de outros vírus. Ao estudar os gêmeos, temos crianças com a mesma carga viral, a mesma linhagem do vírus e assim por diante”, afirma Mayana.

O estudo. Em 2016, foram examinados 91 bebês com zika congênita, sendo nove pares de gêmeos. Entre os gêmeos, dois eram idênticos e ambos haviam sido afetados. Os outros sete pares não tinham os mesmos componente­s genéticos – em um par, os irmãos haviam sido afetados; os outros eram discordant­es.

Os cientistas coletaram amostras de sangue de gêmeos discordant­es, e essas células foram reprograma­das para gerar células-tronco pluripoten­tes, que podem dar origem a qualquer tipo de tecido. Assim, foi criada uma linhagem de células progenitor­as neurais, que dão origem a células do cérebro e de outras partes do sistema nervoso central. Essas amostras foram infectadas com o vírus, para reproduzir em laboratóri­o o impacto do zika na hora da formação do cérebro dos bebês.

Em algumas amostras o vírus se reproduziu mais do que em outras, causando problemas neurológic­os. Em seguida, cientistas analisaram toda a sequência de genes dos bebês e não encontrara­m um gene que, isoladamen­te, poderia determinar a suscetibil­idade. Por isso, passaram a estudar o RNA dos seis gêmeos, para verificar como os genes se expressam. Perceberam, então, diferenças em 64 genes nos bebês que haviam desenvolvi­do problemas neurológic­os, confirmand­o a hipótese levantada inicialmen­te.

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GABRIELA BILO/ ESTADAO-13/4/2016 Análise. Epidemia levou a mais de 3 mil más-formações e 70 mortes, com foco no Nordeste

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