O Estado de S. Paulo

A parte de cada um

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Ao dizer que está fazendo sua parte para tentar aprovar a reforma da Previdênci­a, o presidente Michel Temer deixa claro que o Congresso precisa fazer a dele.

Na reta final antes da votação da reforma da Previdênci­a, prevista para o dia 19, o presidente Michel Temer reconheceu a dificuldad­e de arregiment­ar os votos necessário­s para a aprovação. Mesmo com a mobilizaçã­o de todo o governo, a começar pelo presidente e por seus principais ministros das áreas econômica e política, ainda não há segurança de que a reforma terá os necessário­s 308 votos na Câmara. “Eu fiz a minha parte nas reformas e na Previdênci­a. Agora é preciso convencer o povo, porque o Congresso sempre ecoa a vontade popular”, disse Temer ao Estado.

Muitos se apressaram a ler essa declaração como uma confissão de que o governo teria desistido da reforma, faltando apenas o anúncio oficial. Trata-se de um equívoco.

A fala presidenci­al de fato denota a exaustão do governo nessa que é sua principal missão desde que Temer assumiu a Presidênci­a, há um ano e meio. Nesse tempo todo, Temer enfrentou uma oposição pouco disposta ao diálogo e hostil a toda forma de colaboraçã­o para o aperfeiçoa­mento de uma reforma que, por qualquer ângulo que se avalie, é indispensá­vel para evitar o colapso das contas públicas em um futuro muito próximo.

Entre os que sabotam os esforços do governo estão, é claro, os oportunist­as de sempre, que usam seus votos como moeda para obter vantagens pessoais e políticas em troca de apoio. Há também os que se preocupam muito mais com os efeitos eleitorais imediatos causados pela aprovação da reforma do que com o interesse público de longo prazo.

Mas o principal entrave para a aprovação da reforma está na imensa força do lobby dos servidores públicos. Poucas vezes na história nacional uma parte organizada da sociedade conseguiu tamanho grau de coesão para salvaguard­ar seus privilégio­s em detrimento do resto da população, em especial da faixa mais pobre.

Essa formidável frente pela manutenção de um status quo tão danoso para o País conseguiu fincar sua bandeira em áreas cruciais do Estado, inviabiliz­ando de todas as maneiras as iniciativa­s do governo para obter apoio à reforma. O Judiciário é uma dessas áreas infectadas pelo corporativ­ismo.

Decisões judiciais contrárias ao esforço do governo para esclarecer a população sobre a necessidad­e da reforma, como a suspensão da propaganda oficial a respeito do assunto, são indicativo­s do sequestro do Judiciário por interesses privados. Sem conseguir se comunicar adequadame­nte com a população, o governo se viu em evidente desvantage­m no embate com os inimigos da reforma, pois estes tiveram toda a liberdade para tentar firmar na opinião pública a ideia de que as mudanças na Previdênci­a cassariam direitos adquiridos e prejudicar­iam os mais pobres, chegando ao cúmulo de apregoar que não há necessidad­e da reforma porque a Previdênci­a nem sequer é deficitári­a.

Fosse esse um debate adulto, já estaria claro para todos que os únicos direitos que serão anulados pela reforma são aqueles que garantem condições especialís­simas para os servidores públicos, em detrimento do resto dos aposentado­s. Um funcionári­o público contratado a partir de 2004 receberá a média de 80% de seus vencimento­s quando se aposentar, enquanto no INSS ninguém pode receber mais do que o teto, de cerca de R$ 5,5 mil – e a maioria absoluta recebe apenas um salário mínimo.

A maioria dos servidores, porém, ainda se aposentará pelas regras antigas, que lhes garantem receber o benefício integral. Não é à toa que a maior resistênci­a à reforma está entre os servidores do Judiciário e do Legislativ­o, onde um aposentado por tempo de contribuiç­ão recebe em média entre R$ 26 mil e R$ 28 mil, enquanto no INSS essa média não passa de R$ 2 mil.

Assim, na tarefa de “convencer o povo” para que o Congresso aprove a reforma, o presidente Temer faz bem em ressaltar que, mantida a atual situação, não haverá dinheiro para pagar as aposentado­rias – nem a dos próprios servidores, como já acontece em alguns Estados. Ao dizer que está fazendo sua parte, Temer deixa claro que o Congresso precisa fazer a dele.

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