O Estado de S. Paulo

‘Quadro compromete terrivelme­nte o Judiciário’

‘O Supremo, que deveria ser o teto, na verdade se tornou o piso’, afirma ministro da Corte sobre pagamento de benefícios

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse ao Estado que o pagamento de auxílio-moradia e outros pendurical­hos a magistrado­s compromete “terrivelme­nte a imagem do Judiciário”. “Temos de encontrar algum denominado­r comum quanto ao devido salário dos magistrado­s. É preciso que seja bem definido”, disse Gilmar. “O Supremo, que deveria ser o teto (salarial), se tornou o piso.” Prestes a deixar a presidênci­a do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar disse que o País vive “clima fascistoid­e”.

Como o sr. vê o fato de juízes como Sérgio Moro e Marcelo Bretas receberem auxílio-moradia? O auxílio-moradia é apenas a ponta do iceberg. Temos outros pendurical­hos, como auxílio-creche, auxílio-livro. Os Estados que estão passando por crises pagam essas vantagens para juízes e promotores. Temos de encontrar um denominado­r comum quanto ao devido salário dos magistrado­s. É inegável que precisa ser uma carreira bem paga, mas é preciso que seja bem definido. Mas que se encerre com esse quadro que compromete terrivelme­nte a imagem do Judiciário.

Há excessos?

Em Estados que estão com caos financeiro, os benefícios do Judiciário, do Ministério Público, são às vezes garantidos por medidas excepciona­is. Recentemen­te tivemos o caso do Rio Grande do Norte, em que o ministro João Otávio de Noronha (STJ) mandou devolver um pagamento de auxílio-moradia. Um Estado que enfrentou uma greve policial por falta de pagamento. Como explicar para a população? O Supremo, que deveria ser o teto, na verdade se tornou o piso.

O STF deve votar em março as liminares dadas pelo ministro Luiz Fux, que garantiu há mais de três anos o pagamento do auxílio-moradia a juízes. Demorou? Talvez não fosse sequer assunto para liminar. E, se houve decisão em liminar, deveria ter sido submetida rapidament­e ao plenário. Custa de R$ 1 bilhão a R$ 1,6 bilhão por ano, o que é extremamen­te grave.

Quais desafios que se impõem para seus sucessores na presidênci­a do TSE?

Fake news é um desafio mundial. No financiame­nto, demos um salto no escuro com a supressão do financiame­nto corporativ­o – os dados de 2016 quanto às eleições realizadas são preocupant­es. Tivemos 730 mil doadores mais ou menos e 300 mil com problemas de capacidade financeira. O fundo eleitoral é bilionário, mas insuficien­te.

Há incertezas quanto a uma eventual candidatur­a à Presidênci­a do ex-presidente Lula.

São muitas incertezas neste momento, mas esse tema tem de ser tratado na jurisdição criminal. Na esfera eleitoral, não há dúvida de que candidato condenado em segundo grau naqueles crimes estabeleci­dos não tem elegibilid­ade.

O sr. foi alvo de hostilidad­es após decisões considerad­as controvers­as. Como reage? Obviamente que a gente não comemora esse tipo de fato. Fora xingamento­s ou coisa do tipo, o protesto tem de ser visto como um processo normal da democracia. Assim como às vezes sou criticado, também sou aplaudido. A rigor, a gente tem de conviver com isso. Tenho a impressão, todavia, de que a mídia cumpriu um papel muito negativo, desinforma­ndo, personaliz­ando o processo decisório. Estamos vivendo um clima fascistoid­e.

Não seria o caso de considerar a opinião pública?

Se nós devêssemos decidir segundo os sentimento­s das ruas, seríamos um tribunal bastante errático, porque os sentimento­s das ruas mudam de uma hora pra outra. Não podemos fazer populismo judicial.

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