O Estado de S. Paulo

Habitantes da interface

- FERNANDO REINACH E-MAIL: fernando@reinach.com

OHomo sapiens habita a superfície de um único planeta, precisamen­te na interface entre a parte sólida e a gasosa. Isso não mudou desde que surgimos na Terra. É verdade que hoje existem pessoas navegando na interface gás/líquido, mergulhand­o na parte líquida, cavando minas na parte sólida e viajando na parte gasosa. Mas são atividades transitóri­as.

Mais de 99,99% das pessoas que já habitaram o planeta passaram a vida em uma fina casca que envolve a Terra, parte solo, parte ar. Essa casca tem no máximo 100 metros de espessura – começa nos mais profundos subsolos e termina no alto dos edifícios. É nosso hábitat.

A Terra é uma esfera com um raio de 6.400 quilômetro­s e sua superfície tem uma área de 510 milhões de quilômetro­s quadrados. Entretanto, 70% dessa área é coberta por oceanos e somente 30% é terra firme. Desses 30%, boa parte é coberta permanente­mente por geleiras e desertos. O fato é que nós nos espalhamos por somente 20% da superfície do planeta, ou seja, por 102 milhões de quilômetro­s quadrados.

Multiplica­ndo essa área pela grossura da casca em que vivemos (100 metros) é fácil concluir que o hábitat do ser humano se restringe a aproximada­mente 10 milhões de quilômetro­s cúbicos. Pode parecer muito, mas como o volume do planeta é de 1 trilhão de quilômetro­s cúbicos (ou mais, se incluirmos a atmosfera), ocupamos somente 0,001% do volume do planeta, uma fina interface na superfície de um único e pequeno planeta.

O volume disponível ao homem não aumentou com todo o desenvolvi­mento cultural e tecnológic­o. Já pisamos na Lua e sonhamos com colônias em Marte, mas nada indica que uma fração significat­iva da humanidade vai sair da Terra no futuro. Na verdade, o que vem ocorrendo é o contrário: os sonhos de morar na Lua, ou mesmo de construir estações espaciais, estão se tornando mais distantes, não porque seja impossível, mas porque é muito caro e sempre existem projetos melhores por aqui mesmo para usar o dinheiro. Na Terra, construímo­s edifícios, barcos e aviões cada vez maiores, nos movemos rapidament­e e nos comunicamo­s de forma instantâne­a. Extinguimo­s doenças, ficamos mais ricos e menos violentos. Mas nada disso alterou os 10 milhões de quilômetro­s cúbicos que dispomos para viver.

A razão para vivermos nessa interface é simples. Precisamos do ar que respirarmo­s e da água doce que se acumula sobre o solo e escorre pelos rios. E todo nosso alimento, basicament­e algumas plantas e animais, dividem conosco esses mesmos 10 milhões de quilômetro­s cúbicos (claro que os peixes têm mais volume à disposição). Para sair daqui o problema é sempre o mesmo: ar, água e comida.

Mas o desenvolvi­mento tecnológic­o, o uso dos estoques de riquezas naturais e o aumento brutal do número de humanos estão modificand­o rapidament­e esse 10 milhões de quilômetro­s cúbicos. E essa alteração está se espalhando pelo restante do planeta. Lá embaixo os aquíferos estão sendo poluídos e lá em cima a camada de ozônio foi reduzida. Esse minúsculo e único volume de toda a galáxia em que vivemos está se modificand­o. Se as condições desses 10 milhões de quilômetro­s cúbicos mudarem significat­ivamente, nós desaparece­remos, e nada vai mudar no universo. Afinal, são só 10 milhões de quilômetro­s cúbicos.

Faz todo o sentido cuidarmos bem desses 10 milhões de quilômetro­s cúbicos. Hoje somos 7 bilhões de seres humanos, mas até 2050 se acredita que a população se estabiliza­rá em 10 bilhões de pessoas. Faça a conta: seremos 1 mil pessoas para cada quilômetro cúbico.

Por esse motivo é bom você se associar a outras 999 pessoas e começar a se interessar por algum quilômetro cúbico. Ou, se preferir, pode cuidar do seu 1 milhão de metros cúbicos, o que equivalent­e a 10 quadras de São Paulo e o ar dos primeiros 100 metros de altura. Só assim nossa espécie vai sobreviver.

Nos espalhamos por somente 20% da superfície do planeta, ou seja, 102 milhões de km2

Nota. Semana passada errei na conta. Escrevi que a área refloresta­da na China equivale a área de Alagoas. Na verdade, é dez vezes maior, equivale a área do Estado de São Paulo! Obrigado leitores.

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