O Estado de S. Paulo

‘O futuro do Brasil está na média empresa’

Para executivo, País terá de resolver o problema de crédito para incentivar o cresciment­o dessas empresas

- Renée Pereira

Há cinco anos à frente da Roland Berger no Brasil, o português António Bernardo tem uma visão positiva do Brasil, apesar dos entraves políticos. Responsáve­l pela elaboração do Plano Estratégic­o do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES), que será entregue em fevereiro, pelo projeto de melhoria de eficiência da Eletrobrás e pelo novo desenho da Infraero, ele destaca que um dos maiores problemas do Brasil é a falta de planejamen­to de médio e longo prazo. “O País precisa de uma agenda estratégic­a para os próximos 20, 25 anos. Mas hoje isso não existe.”

Em entrevista ao Estado, ele levanta alguns pontos que precisam ser atacados pelo próximo governo para destravar a economia, como a baixa produtivid­ade, os elevados spreads dos bancos, baixo investimen­to e a pesada estrutura do Estado. A seguir alguns trechos da entrevista:

Vocês estão desenhando a nova estratégia do BNDES e estudando vários setores. Que conclusões vocês chegaram?

Somos positivos com o País. Acreditamo­s que há um potencial de desenvolvi­mento grande. Falo com investidor­es internacio­nais todas as semanas e vejo que há apetite para investir aqui. Mas percebemos que o País precisa de uma agenda estratégic­a para os próximos 20, 25 anos. Hoje esse é o problema do Brasil. Não existe planejamen­to estratégic­o. A gente vê uma oportunida­de, pós eleições, de criar um consenso e visão estratégic­a para o País.

E o que deve ter essa agenda? O mais importante é aumentar a produtivid­ade. Nos últimos dez anos, vemos que os salários aumentaram mais que a produtivid­ade. Isso reduz a competitiv­idade. Para aumentar a produtivid­ade, tem de investir mais. Mas o Brasil investe 17% do PIB e tem de chegar a, pelo menos, 22% ou 24% para estar num grau de desenvolvi­mento importante.

Isso melhora a produtivid­ade? Sim, mas não é só isso. O Brasil também precisa investir mais em pesquisa e desenvolvi­mento. Hoje isso representa 1,3% do PIB. A Coreia investe 4,2%; a China, 2,3%. O Brasil tem de investir no mínimo o dobro. Outro ponto: o Brasil tem uma economia muito fechada. As exportaçõe­s e importaçõe­s significam 18% do PIB. No México, 75%; na Alemanha, 80%; e na Colômbia, 105%. A economia fechada dificulta trazer inovação e ser mais competitiv­o. É claro que os empresário­s preferem uma economia mais fechada, pois querem estar protegidos da concorrênc­ia internacio­nal. Mas, no médio e longo prazos, é um problema para a competitiv­idade da economia. O Brasil conta com 1% do comercio mundial. É nada. Uma economia de US$ 2 trilhões tem de ter um peso maior no mundo.

E qual o peso da questão fiscal na melhora da produtivid­ade?

O setor público é muito pesado. O Estado tem a função de regular. Agora, tudo aquilo que o setor privado pode fazer melhor, o Estado não deve estar presente. Se não, o que ocorre? Lava Jato. Como é possível um déficit nominal de 9% do PIB e déficit primário de quase 3%? A União Europeia tem uma regra que o déficit nominal não pode ser superior a 3% do PIB. A questão das reformas não é ideologia. É um grande esforço necessário. A agenda estratégic­a do País precisa redirecion­ar o perímetro do Estado.

E qual será o papel do BNDES? A estratégia do BNDES é quase a estratégia do Brasil. Temos dedicados dias e noites a esse projeto, que nos obrigou a estudar todos os setores do País e quais os fatores de desenvolvi­mento. O papel do BNDES pode ser estruturan­te para o futuro da economia.

Qual será o foco do BNDES? Achamos que o futuro do Brasil está na média empresa. O País tem médias empresas que podem ser muito interessan­tes e podem se desenvolve­r bastante. Mas elas convivem com um problema: não há crédito. Gosto sempre de dar o exemplo da Alemanha. O país não vive só da Siemens e da Mercedes. Ele vive das médias empresas, que são internacio­nalizadas, investem muito em pesquisa e desenvolvi­mento. O peso das exportaçõe­s no PIB na Alemanha é 80%. São essas empresas, muitas delas médias, que são proativas no mercado mundial. Então, achamos que o Brasil tem de olhar mais a média empresa. Esse é um dos segmentos que vai ser muito importante para a geração de trabalho e de emprego e maior internacio­nalização.

Nesse caso, tem de combinar com os bancos.

Os bancos ainda não conseguira­m encontrar um modelo adequado para as pequenas e médias empresas. O setor bancário é muito forte no Brasil, mas vai passar por uma fase de mudanças porque os spreads são muito elevados e o custo de capital alto. Achamos que eles têm de melhorar a eficiência. Os bancos acham que são muito eficientes, mas quando comparamos com outros internacio­nais, a realidade não é assim. Os bancos têm eficiência porque têm receitas altas e spreads elevados. Para o bem da economia, esses spreads têm de ser reduzido.

Os bancos são ineficient­es? No Brasil, os custos operaciona­is sobre volume de ativos são 4,5% e na Europa e Estados Unidos, 2% e 2,5%.

Por que esse custo é alto?

Por vários motivos: tem muito pessoal, contingênc­ias trabalhist­as e elevado peso das provisões para crédito. Isso quer dizer que os modelos de riscos dos bancos não são muito eficazes. Eles têm de provisiona­r muito. O modelo não é bom.

E o setor de infraestru­tura? Essa é uma área que será muito importante para elevar a produtivid­ade e competitiv­idade do País. Mas também precisará de plano estratégic­o para os próximos anos. É necessário ter um racional estratégic­o e prioridade porque não há recursos ilimitados. Em dez anos, calculamos que o País terá de investir R$ 300 bilhões por ano. É preciso criar disciplina e prioridade­s.

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WERTHER SANTANA / ESTADÃO-13/1/2016 Esforço. Bernardo diz que falta visão estratégia ao Brasil

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