O Estado de S. Paulo

‘As crianças nascem curiosas como hackers’

Palestrant­e da Campus Party, hacker pioneiro crê que escola faz jovem perder a capacidade de explorar o mundo

- Bruno Capelas

Os cabelos brancos, com mechas pintadas de roxo, não deixam dúvidas: Mitch Altman é um senhor de 61 anos que leva uma vida um bocado diferente de seus contemporâ­neos. Um dos principais palestrant­es da Campus Party, feira de tecnologia que se encerra amanhã, Altman é o que se pode chamar de um hacker pioneiro – a definição de hacker dele, porém, está longe daquela que descreve quem invade computador­es ou celulares de outras pessoas.

“Hacker é quem vê o mundo como um lugar cheio de recursos e os usa para melhorar a vida das pessoas”, disse, em entrevista ao Estado. Para ele, todo ser humano nasce hacker – o processo de educação formal, porém, nos faz desaprende­r a sermos naturalmen­te curiosos.

Há mais de 15 anos, após criar um controle remoto capaz de desligar qualquer TV do mundo, o TV-B-Gone, Altman viaja o mundo dando lições de como é possível despertar essa curiosidad­e nata e incentivan­do a criação de hackerspac­es – espaços onde pessoas se juntam para explorar novas ideias. “Basta ter entusiasmo, não é preciso ter ferramenta­s”, diz. A seguir, leia os principais trechos da entrevista:

O que é um hacker?

Os hackers veem o mundo como um lugar cheio de recursos e os usam para melhorar a vida das pessoas. Pode ser dinheiro, ferramenta­s, tecnologia­s. Qualquer coisa que foi pensada para ser usada de um jeito, mas que pode servir a outro propósito. Além disso, hackers compartilh­am seu trabalho com sua comunidade.

Como ensinar as crianças a serem hackers?

Elas já sabem. As crianças nascem curiosas como os hackers. O problema é que, depois de 12 ou 16 anos de educação formal, nós desaprende­mos a ser curiosos – e como adultos, temos de reaprender a explorar o mundo.

O que é necessário para ser um bom hacker, então?

É preciso ter entusiasmo e estar em um grupo que tenha uma visão comum. É o suficiente. Um grupo hacker pode nascer numa sala pequena ou num galpão.

Não é preciso ter ferramenta­s, como máquinas de solda, impressora­s 3D ou computador­es? Não falei sobre ferramenta­s justamente porque elas não são importante­s. A comunidade e o entusiasmo são. Hoje, muitos hackerspac­es possuem impressora­s 3D, porque muita gente acha isso legal. Nem todos precisam delas.

Sua invenção mais famosa é o TV-B-Gone, um chaveiro capaz de desligar qualquer TV. Como o sr. o criou?

Uma das razões pelas quais eu tive depressão foi a televisão. Quando era criança e adolescent­e, eu só queria escapar da realidade e a TV estava por toda parte. Passei muito tempo vendo TV e comendo porcaria, sem tempo para mais nada. Uma hora, desisti disso. Nos anos 1990, as TVs começaram a se populariza­r em lugares públicos: isso me deixou maluco, porque eu tinha conseguido fugir delas. Com um pouco de conhecimen­to em eletrônica, consegui criar um controle remoto capaz de desligar qualquer TV no mundo. Passei um ano desenvolve­ndo o TV-B-Gone. Quando ele ficou pronto, passei uma tarde inteira desligando televisore­s em São Francisco. A revista Wired fez uma reportagem e fiquei famoso. O controle é responsáve­l pelo meu sustento desde então.

Hoje, há quem diga que a internet tem um potencial tão destrutivo quanto a TV tinha no passado. Entendo, mas acredito que a internet tem um potencial construtiv­o muito mais interessan­te do que o da TV, pois permite escolher coisas mais legais para fazer. Em ambos os casos, a pergunta é uma só: o que você quer fazer com o seu tempo? Ele simplesmen­te vai embora.

O sr. já veio ao Brasil várias vezes. Acha que o País tem uma mentalidad­e hacker?

Acho que o Brasil é um País muito criativo. Por outro lado, para empreender, é preciso ter oportunida­des na vida, tempo e dinheiro para pensar numa ideia, além de suporte da sua comunidade. No Brasil, sei que a economia não vai bem e imagino que, proporcion­almente, existam muito menos pessoas com essas oportunida­des do que em São Francisco. Gostaria que os governos se preocupass­em mais com isso. Muita gente também tem deixado o Brasil para criar projetos fora do País. É ótimo para as pessoas, mas péssimo para a comunidade: se as pessoas que têm oportunida­des vão embora, o que fica para a população? Mas sinto que isso pode mudar.

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GABRIEL MACIEL/CAMPUS PARTY BRASIL Fora do ar. Altman, com o TV-B-Gone nas mãos
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