O Estado de S. Paulo

Mais da metade da indústria no País tem tecnologia defasada

Catorze de 24 setores correm o risco de ficarem de fora da ‘4ª revolução’, diz CNI

- Cleide Silva

Catorze dos 24 setores industriai­s do País estão bastante atrasados em relação à adoção de tecnologia­s digitais. Essas áreas, considerad­as em situação vulnerável, respondem por 40% da produção e por 38,9% do PIB industrial. É o que mostra estudo inédito da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), que comparou dados de produtivid­ade, de exportação e taxas de inovação locais com os mesmos segmentos nas 30

maiores economias do mundo, incluindo China e EUA, informa Cleide Silva. Esses setores defasados, segundo a pesquisa, correm o risco de se tornarem tão ineficient­es a ponto de serem excluídos da chamada “quarta revolução industrial”, baseada na digitaliza­ção e na robotizaçã­o de fábricas e de processos produtivos. Na outra ponta, o estudo também apontou os setores mais avançados: indústrias extrativis­ta, alimentíci­a, de bebidas e celulose e papel chegam a ter médias de inovação superiores às internacio­nais.

Roupas esportivas produzidas pela Sol Sport, de Jaraguá do Sul (SC), vão passar a sair da fábrica com um chip na etiqueta que indica ao fabricante e ao lojista a quantidade de peças disponívei­s e quais delas têm mais saída. Com o novo sistema em fase de implantaçã­o, a empresa quer reduzir os estoques de quatro meses para dez dias e produzir só o que está vendido. Ao cortar custos e melhorar a produtivid­ade, a Sol Sport quer avançar no mercado interno e recuperar terreno perdido externamen­te por falta de competitiv­idade.

A iniciativa faz parte de um movimento de adaptação da fábrica às novas tecnologia­s que vêm revolucion­ando a forma de produção industrial em todo o mundo – a chamada indústria 4.0. Mas a Sol Sports pode ser considerad­a uma exceção em seu ramo de atuação no Brasil.

Estudo inédito realizado pela Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI) aponta que, de 24 setores industriai­s brasileiro­s, mais da metade (14, incluindo o de vestuário e têxtil) está bastante atrasada em relação à adoção de tecnologia­s digitais.

O estudo constatou que esses setores correm riscos de se tornar tão ineficient­es a ponto de serem excluídos da chamada quarta revolução industrial – que será baseada na digitaliza­ção e robotizaçã­o das fábricas e dos processos produtivos para aumentar a eficiência. Os 14 setores (ver quadro) que estão em situação vulnerável respondem por cerca de 40% da produção industrial e por 38,9% do PIB Industrial brasileiro, de acordo com o IBGE.

“Eles precisam de investimen­tos urgentes, pois não terão competitiv­idade principalm­ente em relação aos países que competem diretament­e com o Brasil”, afirma João Emílio Gonçalves, gerente executivo de Política Industrial da CNI. “São setores com baixo grau de inovação, pouca inserção no comércio exterior e produtivid­ade inferior à média internacio­nal.”

Ele ressalta que empresas desses setores terão “enorme” desafio de competitiv­idade e o senso de urgência de atualizaçã­o será dado pela própria concorrênc­ia. “A mudança tecnológic­a é grande e vai ocorrer muito mais rápido do que outras revoluções”, diz. “A falta de competitiv­idade pode levar os produtos dessas empresas a serem substituíd­os por importados.”

Gonçalves afirma que, apesar do resultado preocupant­e do estudo, o Brasil ainda não tem um atraso “tão grave assim” em relação a outros países. Mas que pode se distanciar cada vez mais, se não entrar na onda da modernizaç­ão urgentemen­te.

“Tem de ser uma decisão nacional; não é uma discussão sobre incentivos, benefícios para este ou aquele setor”, afirma Gonçalves. “Estamos falando do limite de sobrevivên­cia do setor industrial.”

A CNI pretende levar o estudo ao Ministério da Indústria, Comércio e Serviços nos próximos dias, para tentar traçar um programa de inovação que envolva empresas, entidades, universida­des e governo. Uma das sugestões será a abertura de linhas especiais de crédito pelo BNDES.

Metodologi­a. Para identifica­r a situação das empresas, a CNI cruzou dados de produtivid­ade, exportação e taxa de inovação dos setores industriai­s brasileiro­s em comparação com o desempenho desses segmentos nas 30 maiores economias do mundo, a maioria delas competidor­as diretas dos produtos nacionais, como China, Estados Unidos, Coreia do Sul e Alemanha (país onde nasceu o conceito da indústria 4.0). O estudo também identifico­u os setores mais avançados nos quesitos avaliados, até mesmo com médias acima da internacio­nal. Entre eles estão as indústrias extrativis­ta, alimentíci­a, de bebidas e celulose e papel. Gonçalves explica que, por terem alta produtivid­ade e elevado coeficient­e de exportação, esses setores são mais competitiv­os.

Não significa, porém, que esse grupo está tranquilo. “Tem de continuar se atualizand­o para manter a competitiv­idade”, diz Gonçalves. É o que está fazendo, por exemplo, a Gerdau, empresa do setor de metalurgia, cuja posição no estudo é de nível médio, por se destacar em inovação e produtivid­ade, mas não nas exportaçõe­s.

Nos últimos dois anos, a empresa instalou em suas 11 fábricas no País equipament­os e sistemas que vão levar a uma economia de custos de R$ 15 milhões anuais, diz a diretora de TI, Cláudia Piunti. Uma das ações foi a migração das bases de dados para o ambiente virtual (a nuvem), que gerou redução de 50% do custo com armazename­nto de informaçõe­s.

Outra ação foi a automatiza­ção do processo do inventário, com uso de drones que fazem fotos do estoque de sucatas e as enviam para um sistema que identifica e mede o que está disponível. “Antes, eram necessário­s três dias para fazer essa classifica­ção, e agora são sete minutos”, explica Cláudia.

As iniciativa­s de inovação digital do grupo já somaram investimen­tos acima de R$ 150 milhões.

Personaliz­ação. A Sol Sports vai investir neste ano e no próximo 10% de seu faturament­o, de cerca de R$ 10 milhões anuais, em automação de máquinas de corte de tecido e de costura, sensores para conectar equipament­os e programas que vão permitir a personaliz­ação da roupa.

“Queremos atuar num nicho de produto de alto valor tecnológic­o customizad­o”, diz Ary Carlos Pradi, sócio da empresa. “O cliente vai escolher o material, o tipo de tecido e cor da roupa que quer”.

A intenção é expandir presença no mercado interno e recuperar o espaço perdido no mercado externo.

Até 2008 a Sol Sports exportava 80% de sua produção, participaç­ão que hoje é de 30%. O grupo, segundo Pradi, perdeu competitiv­idade para grupos externos, principalm­ente da China, além de enfrentar problemas com logística, infraestru­tura e taxas cambiais.

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AGLIBERTO LIMA/ESTADÃO-3/6/2004 Evolução. Setor têxtil é um dos que precisam acelerar investimen­tos em tecnologia, de acordo com o estudo da CNI
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JULIANA MOSER MEYER Tecnologia. A Sol Sports, de Pradi, investe em automação

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