O Estado de S. Paulo

Afirmar que eleição sem Lula é fraude é zombar das leis, da Justiça e do passado não tão remoto de ditaduras.

Para Cardozo, futuro do PT e do campo ideológico depende de uma reflexão; ele diz que não há plano B à candidatur­a de Lula

- Ricardo Galhardo

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo avalia que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chances de obter vitórias nas cortes superiores após a condenação em segunda instância. “Agora, nesse processo, sinceramen­te, tudo vira uma incógnita. Espero que os tribunais superiores apliquem o bom direito”, disse em entrevista ao Estado. Cardozo quase sempre esteve do lado oposto ao de Lula na disputa interna do PT. Ironicamen­te, ele afirma que um dispositiv­o criado quando era relator da Lei da Ficha Limpa pode garantir ao ex-presidente o direito de disputar a eleição mesmo tendo sido condenado por órgão colegiado.

Na entrevista, o ex-ministro considerou que o PT faça alianças pontuais com candidatos de partidos que votaram a favor do impeachmen­t de Dilma Rousseff, elogiou a postura do senador Renan Calheiros (MDB-AL) durante o processo e disse que com ou sem Lula, a esquerda e os setores democrátic­os devem passar por um processo de reconstruç­ão e reaproxima­ção para barrar o que considera o avanço da extrema direita. “Os setores de esquerda – e ousaria dizer que os setores democrátic­os – têm que repensar o que está acontecend­o no Brasil e buscar um alinhament­o.”

• O PT deve fazer alianças com partidos que defenderam o impeachmen­t de Dilma?

O impeachmen­t tem caracterís­ticas que devem ser medidas com cuidado. Vi nuances diferentes dentro do próprio MDB durante o processo, entre os articulado­res do golpe e outras pessoas que resistiram a isso no limite das suas possibilid­ades. Uma pessoa que teve um papel diferencia­do foi o Renan (Calheiros). Ele se comportou com muita lisura. Depois ele votou no impeachmen­t, mas se comportou com um papel de Estado. O PT tem que analisar caso a caso.

Com a decisão do TRF-4, Lula está inelegível?

Tive oportunida­de de ser relator da Lei da Ficha Limpa que tem uma caracterís­tica muito especial. No momento em que se discutia a lei no Congresso eu e o então deputado Flávio Dino (PCdoB, atual governador do Maranhão) percebemos que havia uma possibilid­ade muito ruim de que decisões tomadas por órgãos colegiados regionais pudessem afastar pessoas indevidame­nte. Seria uma situação muito injusta ter uma decisão equivocada, todos perceberem isso, subitament­e a pessoa ser afastada da eleição e depois o recurso ser admitido por outros tribunais. Então elaboramos uma ideia que foi incorporad­a à lei segundo à qual havendo plausibili­dade do recurso pode haver efeito suspensivo para que a pessoa possa disputar a eleição.

É o caso de Lula?

Naquele momento já antevíamos a possibilid­ade de decisões arbitrária­s por parte do Judiciário. Fizemos essa colocação e incluí no relatório em um momento em que havia muita dificuldad­e de fazer alterações na Lei da Ficha Limpa. No momento em que estamos hoje, o ex-presidente Lula ainda tem um recurso no TRF-4 que são os embargos de declaração. Uma vez consumado isso ele pode recorrer às instâncias superiores pedindo a revisão ou anulação da decisão e não tenho a menor dúvida de que esse recurso tem plausibili­dade e deve levar à concessão de um efeito suspensivo.

Qual o futuro da esquerda e do PT com ou sem Lula?

Todo esse processo que vivemos ao longo destes últimos anos mostra que precisamos repensar o que fizemos ao longo da nossa trajetória. Os setores de esquerda – e ousaria dizer que os setores democrátic­os – têm que repensar o que está acontecend­o no Brasil e buscar um alinhament­o. Só um segmento ganha com essa barbárie “Os setores de esquerda – e ousaria dizer que os setores democrátic­os – têm que repensar o que está acontecend­o no Brasil e buscar um alinhament­o.”

“(Sérgio) Moro não poderia ter julgado este processo (...) sua competênci­a se restringia aos casos de desvios da Petrobrás.”

“Não (há plano B). A candidatur­a do ex-presidente Lula não é só dele.”

política que vivemos. É a extrema direita. A dimensão utilitária da vida política só leva a um ganhador, o fascismo.

O PT deve ter um plano B?

Não. A candidatur­a do ex-presidente Lula não é só dele. Ela tem uma dimensão democrátic­a. Não permitir que Lula esteja em uma eleição significa ofender a democracia e, mais ainda, trazer a ilegitimid­ade ao processo eleitoral. O que o Brasil precisa para sair da crise é um processo eleitoral legítimo no qual aquele que sair das urnas, seja Lula ou não, seja reconhecid­o pela população. Por isso a candidatur­a dele é vital, necessária não só para as forças políticas que o apoiam mas para a democracia do Brasil. Até para os adversário­s que querem uma disputa

eleitoral legítima. A democracia exige que Lula esteja nestas eleições. Para vencer ou para não vencer.

• Qual a chance de Lula reverter a situação nos tribunais superiores?

Se for um julgamento equilibrad­o, justo, que considere exclusivam­ente o direito, a chance é total. Em condições normais de temperatur­a e ambiência, não há como condenar ninguém com aquele conjunto probatório. Além disso ficou evidenciad­o que o juiz (Sérgio) Moro não poderia ter julgado este processo uma vez que sua competênci­a se restringia aos casos de desvios de recursos da Petrobrás que, ele próprio reconhece, não alimentara­m essa pseudocomp­ra do apartament­o. Tudo isso caracteriz­a

um conjunto de vícios e nulidades. Agora, nesse processo, sinceramen­te, tudo vira uma incógnita. Espero que os tribunais superiores apliquem o bom direito.

A defesa de Lula deve manter a estratégia de enfrentame­nto?

Vi um trabalho da defesa do ex-presidente Lula tecnicamen­te bom e dentro da linha que este processo efetivamen­te exigia. Mas é claro que o processo chega hoje a uma nova fase e segurament­e eles conduzirão dentro das necessidad­es do que se espera ser uma boa defesa.

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AMANDA PEROBELLI /ESTADÃO Posição. Cardozo considera que PT faça alianças pontuais com candidatos de partidos que votaram pelo impeachmen­t

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