O Estado de S. Paulo

Eleição sem Lula é fraude?

- VERA MAGALHÃES E-MAIL: TWITTER: VERA.MAGALHAES@ESTADAO.COM @VERAMAGALH­AES POLITICA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/VERA-MAGALHAES/

Desde 24 de janeiro, os defensores do ex-presidente Lula mudaram o disco da cantilena, segundo a qual não existem provas contra ele nos vários e diversific­ados processos aos quais responde, para outra segundo a qual as eleições de outubro, sem o petista na cédula, não serão legítimas.

Trata-se de uma afirmação, repetida com diferentes graus de histeria, que zomba das leis, da Justiça e do próprio passado não tão remoto de ditaduras do Brasil.

Das leis porque a aprovação de alguns dispositiv­os que impedem a candidatur­a de Lula se deu não apenas em seu governo e do de sua sucessora, como com a participaç­ão de muitos parlamenta­res que agora repetem esse despautéri­o.

A Lei Complement­ar 135 foi aprovada em 5 de maio de 2010 pela Câmara e no dia 19 pelo Senado, nos dois casos em votação unânime. Foi sancionada por Lula em 4 de junho daquele ano. Ela proíbe que políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância sejam condenados. Em sucessivos julgamento­s, o Supremo Tribunal Federal consagrou sua constituci­onalidade e o Tribunal Superior Eleitoral a aplicou. Qual a fraude existente em aplicar a Lula a mesma lei que ele sancionou? E que já foi usada para impedir candidatur­as em todo o País inúmeras vezes nas últimas eleições?

Ver fraude onde há aplicação da lei afronta a Justiça porque implica fazer ouvidos moucos e vista grossa ao extenso e profundo arrazoado feito por três desembarga­dores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que confirmara­m a condenação de Lula e estenderam por unanimidad­e sua pena, por entender que havia circunstân­cia agravantes.

Os que gritam “fraude!” se esquecem de que este é apenas o primeiro processo contra Lula a ser julgado, e que os demais – que tratam do sítio de Atibaia, do aluguel da cobertura contígua à da família Lula da Silva por um parente de José Carlos Bumlai e de outros fatos nebulosos envolvendo seu período na Presidênci­a e depois – ainda serão julgados, sempre por várias instâncias do Judiciário, e podem resultar no mesmo impediment­o pela Ficha Limpa.

De forma bovina, adoradores de um político – algo que o século 21 já deveria ter banido, pelas demonstraç­ões históricas de que não resulta nunca em avanço para uma Nação – preferem desqualifi­car instituiçõ­es em série, juízes de diferentes graus e até mesmo leis antes festejadas a raciocinar que provavelme­nte não há conluio contra Lula, mas investigaç­ões que envolveram agentes da Polícia Federal, delegados, servidores da Receita, procurador­es, juízes, funcionári­os de prédios, ex-amigos, empreiteir­os, ex-ministros do petista, engenheiro­s, funcionári­os de lojas de cozinhas planejadas, caseiros.

Todos em um conluio macabro contra a democracia e um homem acima de qualquer suspeita? Alguém minimament­e informado sobre o que aconteceu no País nos últimos quatro anos consegue afirmar isso sem hesitar e se perguntar se talvez não seja bem assim?

A legalidade de uma candidatur­a não pode ser determinad­a pela popularida­de do candidato, pois isso sim é relativiza­r a democracia.

Falar em fraude ou golpe e propor desobediên­cia civil diante de uma condenação que se deu na vigência do estado democrátic­o de direito é, por fim, desrespeit­oso com a história do País, da qual muitos dos atuais atores participar­am. Estes sabem o que é, de fato, conviver com arbítrio, a falta de eleições diretas e a tortura. Eles atuaram para que a democracia voltasse e as leis de combate à corrupção fossem aprimorada­s. Pedir que sejam revogadas para dar um salvo-conduto a Lula é se divorciar da própria trajetória.

Afirmação zomba das leis, da Justiça e do próprio passado não tão remoto de ditaduras

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