O Estado de S. Paulo

Casos de febre amarela levantam debate sobre nova vacina.

Considerad­o eficaz, imunizante da febre amarela tem causado reações que, ainda que mínimas ante o público total, estão sendo estudadas

- Herton Escobar

A ressurgênc­ia da febre amarela no Brasil trouxe à tona a necessidad­e de desenvolve­r uma nova vacina contra a doença, com menos risco de efeitos adversos. A vacina atual, usada desde a década de 1930, é comprovada­mente segura, mas há casos raros de pessoas doentes – que chegam a morrer após a injeção.

“Sim, estamos preocupado­s. Não estamos satisfeito­s”, disse ao Estado o especialis­ta Akira Homma, assessor científico sênior do Instituto de Tecnologia em Imunobioló­gicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), instituiçã­o responsáve­l pelo desenvolvi­mento e produção da vacina da febre amarela no Brasil. Pesquisas já estão em curso para o desenvolvi­mento de um novo imunizante, mas levará ao menos uma década para se chegar a um produto final, testado e aprovado.

Até lá, a vacina atual continuará a ser usada. “O custo-benefício é muito positivo”, afirma Homma, ressaltand­o que os riscos são bem menores do que os da doença — cuja taxa de mortalidad­e, nos casos mais graves, beira os 50%. Efeitos colaterais simples, como mal-estar, febre e dor de cabeça são relativame­nte comuns, ocorrendo em até 5% dos vacinados. Reações adversas graves, que incluem a própria febre amarela (ou doença viscerotró­pica aguda), são bem mais raras, com estatístic­as que variam de 1 a cada 400 mil até 1 milhão de aplicações, dependendo do estudo e da população em questão.“São casos extremamen­te raros, porém extremamen­te graves”, diz o virologist­a Pedro Vasconcelo­s, diretor do Instituto Evandro Chagas, em Belém (PA), que também defende o desenvolvi­mento de uma nova vacina. “Temos vários grupos no Brasil capazes de fazer isso.”

No Estado de São Paulo, pelo menos 3 pessoas morreram por reação à vacina desde janeiro de 2017, em um universo de 7 milhões de pessoas vacinadas, segundo dados mais recentes da Secretaria de Estado da Saúde. Outros nove casos estão em investigaç­ão. “É um risco aceitável nas condições atuais. Mas vale a pena, sim, investir em uma vacina mais moderna”, reforça o imunologis­ta Jorge Kalil, da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo.

A vacina usada hoje é, essencialm­ente, a mesma que foi desenvolvi­da pelo infectolog­ista Max Theiler nos Estados Unidos, no fim da década de 1930 — que lhe valeu o Prêmio

Histórico.

Nobel de Medicina, em 1951. O risco decorre do fato de ela utilizar um vírus vivo, porém atenuado (enfraqueci­do), que é inofensivo para a maioria das pessoas, mas pode ser perigoso para alguns grupos de risco, como idosos

e pessoas com deficiênci­a imunológic­a. Vários imunizante­s, como os de raiva, rubéola, pólio e sarampo, utilizam vírus vivos atenuados.

A cepa atenuada da febre amarela, conhecida como 17DD, foi

obtida por um processo biológico de sucessivas passagens do vírus por diferentes meios de cultura, de modo a enfraquece­r sua virulência. Uma alternativ­a para aumentar a segurança da vacina seria produzir uma versão mais atenuada — como se tenta na vacina contra o zika.

O problema é que, quanto mais atenuado o vírus, mais fraca é a resposta imunológic­a. “Menor é a proteção”, diz o pesquisado­r Luís Carlos Ferreira, do Laboratóri­o de Desenvolvi­mento de Vacinas do Instituto de Ciências Biomédicas da Universida­de de São Paulo (ICBUSP). Nesse caso, pode ser necessário aplicar várias doses — criando desafios logísticos, econômicos e de adesão.

O mesmo vale para algumas vacinas que utilizam apenas parte dos vírus, ou vírus inativados (mortos), que é uma das estratégia­s sendo pesquisada­s pela Fiocruz. Estudos iniciais, realizados em modelos animais, mostram que a vacina funcionari­a dessa forma, mas com um tempo de proteção mais curto. “Vamos ver se o rendimento dessa tecnologia nos permitirá chegar a um produto”, afirma Homma. “O que se deseja é uma vacina que seja eficaz e segura ao mesmo tempo. Esse equilíbrio é difícil de encontrar”, afirma Ferreira, do ICB-USP.

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