NO INTERIOR DO RIO, O MEDO DA AGULHA RESISTE
Na zona rural, moradores correm das equipes; medo de agulha afasta homens, diz especialista
Mais de cem anos depois da Revolta da Vacina (em 1904), a desconfiança de parte da população brasileira em relação a campanhas de imunização em massa ressurge na vacinação contra a febre amarela. Nas zonas rurais do Rio de Janeiro, por exemplo, moradores chegam a correr para se esconder na mata e fugir das equipes volantes de prevenção da doença. O objetivo
• Prevenção “Podem surgir reações graves, mas são a minoria dos casos. Os serviços alertam o grupo de risco.” Akira Homma ASSESSOR CIENTÍFICO DA BIOMANGUINHOS
é evitar tomar a vacina contra a doença, paradoxalmente considerada um perigo.
O comportamento ocorreu, por exemplo, em Valença, município fluminense com maior número de casos de febre amarela no Estado. O medo dos brasileiros no século 21 repete a desconfiança vivida por seus antepassados, cem anos atrás.
“O nosso maior problema aqui foi justamente a resistência das pessoas, sobretudo da população da área rural”, afirmou a secretária de Saúde de Valença, no interior, Soraia Furtado da Graça. “Mesmo com o médico indo ao local houve muito medo, muita resistência; c erta vez, em que eu mesma fui a campo, três pessoas se esconderam quando nos viram chegar. E eu não posso obrigar as pessoas a tomarem vacina.”
Valença, que tem uma área rural extensa e faz divisa com Minas Gerais, é a cidade mais afetada pela febre amarela no Rio. Tem 14 casos confirmados, com cinco mortes – o total no Estado é de 18. Cem outros casos estão ainda sendo analisados. Doze pessoas estão internadas. Ao todo, 14 dos 92 municípios fluminenses já registraram casos de febre amarela.
Valença tem indicação de vacinação desde 2017. Segundo a secretária, as pessoas só se mobilizaram mesmo depois que as primeiras mortes foram confirmadas. Na ocasião, autoridades
prognosticaram uma catástrofe no município. O esforço concentrado, no entanto, parece ter dado resultado. “Realmente, o medo da vacina é um grande problema”, atesta o assessor científico de Biomanguinhos, da Fiocruz, Akira Homma. “Os adultos, sobretudo os homens, têm medo de agulha, é fato. Para essas pessoas, digo: a picada hoje não dói como há 20 anos, quando a agulha era muito mais rombuda. Trata-se de uma dor bastante aceitável.”
O medo da agulha é tanto, diz o especialista, que, enquanto a vacinação infantil no Brasil tem uma cobertura de praticamente 100%, a de adolescentes e adultos é sempre bem menor.
O outro grande problema, segundo Homma, é a disseminação de informações falsas. “Essas mentiras induzem ao medo e contribuem muito para a redução da cobertura vacinal, são um desserviço enorme para a saúde pública e contribuem para termos mais mortes por febre amarela”, afirma o especialista. “Acho, até mesmo, que deveria ser criminalizado.”
Temor.