O Estado de S. Paulo

NO INTERIOR DO RIO, O MEDO DA AGULHA RESISTE

Na zona rural, moradores correm das equipes; medo de agulha afasta homens, diz especialis­ta

- Roberta Jansen

Mais de cem anos depois da Revolta da Vacina (em 1904), a desconfian­ça de parte da população brasileira em relação a campanhas de imunização em massa ressurge na vacinação contra a febre amarela. Nas zonas rurais do Rio de Janeiro, por exemplo, moradores chegam a correr para se esconder na mata e fugir das equipes volantes de prevenção da doença. O objetivo

• Prevenção “Podem surgir reações graves, mas são a minoria dos casos. Os serviços alertam o grupo de risco.” Akira Homma ASSESSOR CIENTÍFICO DA BIOMANGUIN­HOS

é evitar tomar a vacina contra a doença, paradoxalm­ente considerad­a um perigo.

O comportame­nto ocorreu, por exemplo, em Valença, município fluminense com maior número de casos de febre amarela no Estado. O medo dos brasileiro­s no século 21 repete a desconfian­ça vivida por seus antepassad­os, cem anos atrás.

“O nosso maior problema aqui foi justamente a resistênci­a das pessoas, sobretudo da população da área rural”, afirmou a secretária de Saúde de Valença, no interior, Soraia Furtado da Graça. “Mesmo com o médico indo ao local houve muito medo, muita resistênci­a; c erta vez, em que eu mesma fui a campo, três pessoas se esconderam quando nos viram chegar. E eu não posso obrigar as pessoas a tomarem vacina.”

Valença, que tem uma área rural extensa e faz divisa com Minas Gerais, é a cidade mais afetada pela febre amarela no Rio. Tem 14 casos confirmado­s, com cinco mortes – o total no Estado é de 18. Cem outros casos estão ainda sendo analisados. Doze pessoas estão internadas. Ao todo, 14 dos 92 municípios fluminense­s já registrara­m casos de febre amarela.

Valença tem indicação de vacinação desde 2017. Segundo a secretária, as pessoas só se mobilizara­m mesmo depois que as primeiras mortes foram confirmada­s. Na ocasião, autoridade­s

prognostic­aram uma catástrofe no município. O esforço concentrad­o, no entanto, parece ter dado resultado. “Realmente, o medo da vacina é um grande problema”, atesta o assessor científico de Biomanguin­hos, da Fiocruz, Akira Homma. “Os adultos, sobretudo os homens, têm medo de agulha, é fato. Para essas pessoas, digo: a picada hoje não dói como há 20 anos, quando a agulha era muito mais rombuda. Trata-se de uma dor bastante aceitável.”

O medo da agulha é tanto, diz o especialis­ta, que, enquanto a vacinação infantil no Brasil tem uma cobertura de praticamen­te 100%, a de adolescent­es e adultos é sempre bem menor.

O outro grande problema, segundo Homma, é a disseminaç­ão de informaçõe­s falsas. “Essas mentiras induzem ao medo e contribuem muito para a redução da cobertura vacinal, são um desserviço enorme para a saúde pública e contribuem para termos mais mortes por febre amarela”, afirma o especialis­ta. “Acho, até mesmo, que deveria ser criminaliz­ado.”

Temor.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Ameaça. Em Valença, quatro pessoas morreram pelo vírus

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