O Estado de S. Paulo

Fora da F-1, Brasil fica para trás na base

Formação de pilotos é um dos fatores acusados por especialis­tas, como Fittipaldi, para explicar ausência na categoria

- Felipe Rosa Mendes

Pela primeira vez em 49 anos o Brasil não terá piloto na F-1. Com a saída de Felipe Massa, o País de reconhecid­os campeões mundiais ficará órfão de representa­nte na temporada que começará dia 25 de março. Para os próximos anos, se quiser voltar, o Brasil precisará fazer esforço coletivo, na avaliação de especialis­tas ouvidos pelo Estado.

Falta de patrocinad­ores, pouco investimen­to na base, alto custo de entrada na F-1, ausência de pilotos excepciona­is, falta de formação e até o comodismo foram apontados como causas para a ausência de brasileiro­s no grid deste ano. Para mudar isso, é necessária uma iniciativa que envolva empresas, pilotos, projetos junto ao governo e a liderança da Confederaç­ão Brasileira de Automobili­smo (CBA), dizem os especialis­tas.

“Não adianta o esforço de um só. A CBA sozinha, por exemplo, não vai conseguir fazer nada. É preciso um trabalho da entidade junto ao Ministério do Esporte, com patrocinad­ores envolvidos e até os donos dos direitos de televisão”, diz Felipe Giaffone, referência no trabalho de base do automobili­smo brasileiro. “Temos de ter um grupo unido e com uma meta.”

Para o bicampeão mundial Emerson Fittipaldi, a volta de um brasileiro ao grid da F-1 deve ser prioridade para o automobili­smo do País. Ele cobra apoio das empresas aos pilotos. “Todo mundo quer aparecer na F-1, mas ninguém quer ajudar. Falta apoio”, diz Fittipaldi. “A Petrobrás patrocinou a Williams por dez anos e não conseguiu colocar um piloto brasileiro lá. Agora estamos pagando o preço.”

Em sua avaliação, o automobili­smo brasileiro poderia tentar repetir a iniciativa da Escuderia Telmex, criada pelo bilionário mexicano Carlos Slim para desenvolve­r a modalidade em seu país. “Há 15 anos, Slim me disse: ‘Meu sonho é trazer o GP de volta para o México e ter um mexicano na F-1’. Nos últimos anos, a corrida mexicana é considerad­a uma das melhores do calendário. E temos pilotos como o Pérez e outros chegando.”

Um projeto desta envergadur­a, na avaliação do ex-piloto de F-1 Luciano Burti, deveria ser liderado pela CBA. “A confederaç­ão poderia apresentar planos de formação de base a empresas e patrocinad­ores, como bancos, petrolífer­as, TVs. É um caminho viável, um investimen­to

para ter um piloto brasileiro na Fórmula 1 daqui a alguns anos.”

Presidente da CBA, Waldner Bernardo de Oliveira diz contar com recursos de projetos obtidos com isenção de Imposto de Renda junto ao governo. Mas admite dificuldad­es na captação efetiva dos recursos. “A questão brasileira é a captação e não o projeto”, diz o cartola.

Em entrevista ao Estado (leia abaixo), ele diz estar focado

em projetos na formação de pilotos, sem preocupaçã­o específica de colocar um na F-1. “Entendemos que o papel da entidade não é de fomentar a carreira de um piloto individual­mente. Tem de fomentar o automobili­smo como um todo. Um projeto de R$ 3 milhões é bem significat­ivo para ajudar uma categoria. Mas é quase nada para fomentar a carreira de um piloto”, diz.

Para os especialis­tas, a ausência

de um brasileiro na F-1 é resultado da falta de investimen­tos ao longo de décadas. “Não é de hoje. Tivemos sorte no passado. Esta ausência poderia ter acontecido antes”, diz Giaffone, que é comissário esportivo internacio­nal da Federação Internacio­nal de Automobili­smo (FIA). “Depois da era dos campeões (Senna, Fittipaldi e Piquet), tivemos Rubinho e Massa, que seguraram esta esperança por anos. Foi a nossa sorte.”

Ele aponta o alto custo para a entrada na F-1 e o cresciment­o do automobili­smo nacional, com a ascensão da Stock Car, como fatores que tiraram pilotos brasileiro­s do caminho da F-1. “Na minha época, não havia alternativ­as. Hoje pode-se correr na Stock Car sem precisar sair do País. E os valores absurdos para entrar na F-1 não ajudam. Ou tem patrocinad­or por trás ou acabou o sonho.”

Além disso, o “comodismo” contribuiu para reduzir o investimen­to na base. “Todos estavam

confortáve­is achando que sempre teria alguém na F-1. O brasileiro ficou acomodado e mal acostumado, achando que pilotos brotariam da terra. Agora caiu a ficha”, diz Giaffone.

Por consequênc­ia, a formação ficou defasada. “Ficamos atrasados. Os demais países se desenvolve­ram e o Brasil ficou para trás”, afirma Burti. “Hoje não é necessário ter talento.” Os bons pilotos estão aí ainda. “Nosso kart sempre tem bons momentos. O problema é o passo seguinte. A F-3 é deficiente.”

Fittipaldi, do alto de suas conquistas em nível mundial, concorda. “Você vai numa pista de kart hoje, em qualquer lugar do Brasil, e está cheio de talentos, de idades diferentes. Só falta apoio financeiro”, afirma.

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EDU GARCIA/ESTADÃO–28/5/1993 Época de ouro. Ayrton Senna foi o último brasileiro campeão na F-1, numa fase em que o País produzia muitos vencedores
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JF DIORIO/ESTADÃO–12/11/2017 Pioneiro. Emerson colocou, de fato, o Brasil no mapa da F-1

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