Em busca de recursos
Empresas lançam moedas virtuais para atrair capital
Há dois anos, os gaúchos Lucas Sperb e Eduardo Makiyama tentam fazer a startup Wbio, que fabrica um microscópio conectado à internet, decolar. Mas arranjar investidores para a empresa sempre foi um problema. “Recebemos muitos nãos”, diz Makiyama. “Captar dinheiro tem sido muito burocrático.” Em janeiro deste ano, eles tentaram algo novo: criaram uma moeda digital própria, a wCoin, e estão tentando vendê-la a interessados até abril. A meta é arrecadar R$ 2 milhões para financiar a Wbio – em apenas dez dias, eles levantaram R$ 130 mil.
O processo é conhecido como ICO (oferta inicial de moedas, na sigla em inglês), uma alusão ao processo de abertura de capital na Bolsa de Valores, o chamado IPO – embora as duas operações sejam completamente distintas. Os ICOs se tornaram possíveis graças à tecnologia blockchain (leia mais ao lado), que também é base da moeda virtual, ou criptomoeda, Bitcoin. Por meio da tecnologia, a empresa arrecada dinheiro para financiar sua operação, no que parece ser uma evolução do financiamento coletivo, a boa e velha “vaquinha” pela internet.
A diferença é que, em vez de fazer uma doação e ser um dos primeiros a receber o produto, o interessado recebe códigos numéricos (tokens) que guarda em sua carteira virtual. No futuro, essas moedas podem ser trocadas por produtos ou serviços da empresa que fez o ICO ou negociadas com outras pessoas interessadas. O investidor, porém, não se torna acionista da startup após um ICO e não tem garantia de retorno.
“Há quem invista porque acredita na startup e quer usar o produto ou serviço que ela vai oferecer”, diz o especialista em moedas virtuais da XP Investimentos Fernando Ulrich. “Mas tem muita gente que compra moedas no ICO achando que vai conseguir vender a um preço maior. Especular assim ainda é muito perigoso.”
Apesar dos riscos, especialistas veem com bons olhos a nova modalidade de investimentos para startups. Hoje, elas dependem de investidores anjo e fundos de capital de risco para ganhar impulso para crescer. “Os ICOs são importantes porque democratizam a captação de recursos”, disse Angela Walch, pesquisadora de blockchain da University College London (UCL), ao Estado. “Qualquer um pode investir.” Moda. A novidade virou febre entre startups pelo mundo e até empresas de tecnologia já consolidadas estão aderindo. É o caso do aplicativo de mensagens instantâneas Telegram, que pretende fazer um ICO em março para captar US$ 1,2 bilhão. Já a fabricante Kodak, que desenvolveu uma plataforma de gestão de direitos autorais de fotógrafos atrelada à sua moeda, quer embolsar US$ 20 milhões.
No Brasil, a Wbio foi pioneira, mas outras empresas estão de olho na oportunidade. A Taylor – startup por trás de um aplicativo que compara cotações de moedas virtuais e permite negociá-las – planeja iniciar seu ICO no fim de fevereiro.
O fundador, Fábio Seixas, nem tentou buscar investidores anjo. “É muito mais desgastante convencer investidores de que a sua ideia é boa e ainda ter de aceitá-los como sócios”, afirma Seixas. “Com as moedas virtuais, vendemos para quem acredita no projeto e pronto.” A empresa pretende levantar R$ 16 milhões até o fim de março.
A Original My, que faz registros em blockchain como se fosse um “cartório digital”, vai até sair do Brasil para fazer o ICO, por causa da insegurança jurídica. “As leis daqui são dúbias e não temos condições financeiras para arriscar”, diz Edilson Osório, presidente da startup. “Se fizermos o ICO e tivermos
Facilidade • “O ICO é menos desgastante do que ter de convencer um pequeno grupo de investidores.” Fábio Seixas FUNDADOR DA TAYLOR
de parar o processo, pode ser o nosso fim.” Desafio. Como explica Osório, captar dinheiro dessa forma não é simples nem barato. A empresa precisa divulgar uma carta de intenções aos interessados explicando o projeto, quanto precisará e como utilizará o dinheiro ao longo do tempo.
Além disso, é comum a contratação de uma consultoria para criar a moeda virtual e checar os antecedentes dos interessados no ICO, para evitar lavagem de dinheiro. Segundo apurou o Estado, o custo de todo o processo pode superar R$ 250 mil.
Apesar de ainda não serem unanimidade, os ICOs são apontados como um exemplo das possibilidades que o blockchain abrirá para os investimentos nos próximos anos. “Os ICOs são apenas uma pequena e tímida parte do blockchain”, diz Don Tapscott, autor do livro A Revolução do Blockchain e especialista no tema. “Na próxima década, teremos novas possibilidades de investimentos cada vez mais rápidas, ativas e transparentes.”