O Estado de S. Paulo

Perdendo (mais) uma oportunida­de

- AFFONSO CELSO PASTORE ✽ EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS

Olhando para as cotações das ações e do CDS brasileiro tem-se a sensação de que a economia vai muito bem. O otimismo se reforça quando lembramos que a recessão terminou, e que graças à competente ação do Banco Central a inflação despencou, com as expectativ­as se mantendo ancoradas vários anos à frente, permitindo que as taxas de juros se mantenham baixas por todo o ano de 2018.

Porém, quando se olha para o lado fiscal, a situação está longe de ser tranquila. A dívida pública bruta saltou de pouco mais de 50% do PIB no início de 2014 para perto de 75% do PIB atualmente, e continua a crescer. Um exercício de dinâmica de dívida com hipóteses conservado­ras sobre a taxa real de juros e o cresciment­o do PIB indica que para estabiliza­r a relação dívida/PIB são necessário­s superávits primários de, no mínimo, 2% do PIB. No entanto, atualmente há déficits não recorrente­s próximos de 2,5% do PIB, o que significa que é necessário um esforço em torno de 4,5% do PIB. Não é uma tarefa fácil nem algo que possa ser realizado em um curto período.

Parte importante da consolidaç­ão fiscal é a aprovação de uma reforma da Previdênci­a. Se for aprovada a versão elaborada por Marcelo Caetano, que leva a uma economia bem maior do que a da proposta que o governo vem negociando com o Congresso, os déficits da Previdênci­a se estabiliza­riam em proporção ao PIB, crescendo em termos reais, e a menos de uma contínua elevação da carga tributária, a totalidade das demais despesas primárias teria de cair continuame­nte em termos reais. Em resumo, a consolidaç­ão fiscal requer bem mais do que a aprovação de uma reforma da Previdênci­a: são necessária­s reformas que reduzam as demais despesas e levem a ganhos de arrecadaçã­o, cuja intensidad­e requer um grande apoio político.

Por que, diante desse quadro fiscal, há um grande otimismo nos investimen­tos em ativos brasileiro­s? Uma primeira hipótese é que o novo governo conseguirá implementa­r a tarefa necessária, mas para que essa aposta fizesse algum sentido precisaría­mos, no mínimo, saber: de que governo estamos falando? Quem ganhará as eleições? A segunda hipótese é que há alguma força exógena no Brasil levando a esse comportame­nto dos preços dos ativos. Os dados nos mostram que as cotações dos CDS da grande maioria dos países emergentes estão em queda; que há uma valorizaçã­o dos preços das ações de suas empresas; e que as suas taxas cambiais estão ou estáveis ou em trajetória de valorizaçã­o.

De onde vem essa força? O último World Economic Oulook nos revela aceleraçõe­s importante­s nos cresciment­os de EUA, Europa e Japão. Para chegar a esse resultado, esses países usaram os estímulos monetários em doses jamais vistas. Apesar de as taxas dos fed funds, nos EUA, já estarem se elevando, tanto lá quanto na Europa e no Japão, as taxas de juros estão em níveis historicam­ente muito baixos e, ao lado disso, indicadore­s de risco (como o VIX e os spreads dos high-yieldbonds) vêm se mantendo em patamares baixos. A combinação de juros baixos no mundo desenvolvi­do com baixa aversão ao risco eleva a demanda por ativos de países emergentes, produzindo uma queda generaliza­da das cotações de seus CDS; e a valorizaçã­o de suas moedas e das ações de suas empresas.

Os preços dos ativos no Brasil não têm um comportame­nto favorável porque a situação fiscal do País está sob controle, criando as condições para o aumento da confiança mantendo baixas as taxas de juros e assegurand­o a continuida­de do cresciment­o. Seu comportame­nto se deve predominan­temente a uma situação internacio­nal extremamen­te favorável.

Não tenho nenhum motivo para prever que esse quadro da economia internacio­nal deva terminar abruptamen­te em um futuro próximo. Mas tenho obrigação de lembrar que os ciclos econômicos continuam existindo, e que a atual situação da economia mundial não pode ser tomada como “um novo paradigma” que se manterá para sempre. Caberia ao Brasil aproveitar-se dessa “janela favorável” vinda da economia mundial para progredir na agenda de reformas, mas o tempo está passando e não trabalha a nosso favor.

País precisava aproveitar ‘janela favorável’ vinda da economia mundial

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