O Estado de S. Paulo

Conversa com o CEO

CEO conta qual foi a decisão mais difícil de sua vida e as consequênc­ias que ela trouxe

- Cláudio Marques

“Um dos segredos do executivo moderno é ser capaz de ter flexibilid­ade, se adaptar às novas circunstân­cias”, diz o CEO da empresa de transmissã­o de eletricida­de CTEEP, Reynaldo Passanezi. Ele comandou rigoroso processo de reestrutur­ação na companhia, que perdeu 65% das receitas, ao aceitar a prorrogaçã­o de sua concessão por 30 anos, proposta pela MP 579.

O homem dos bilhões. Assim poderia ser chamado Reynaldo Passanezi Filho (foto), que desde o início de sua carreira está acostumado a trabalhar com negócios envolvendo somas milionária­s e bilionária­s de dinheiro. Atuou nas privatizaç­ões paulistas como assessor técnico, em fusões e aquisições no BBVA e desde 2012 está na Companhia de Transmissã­o de Energia Elétrica Paulista, a ISA CTEEP – ela própria uma empresa privatizad­a. Começou como diretor financeiro, hoje é o CEO da empresa que tem em seus ativos 20 mil quilômetro­s de linhas de transmissã­o e um quadro de funcionári­os de 1.400 pessoas. Três meses depois de sua entrada na empresa, uma baque: uma MP que levou a empresa a perder mais da metade de sua receita. Mas a companhia conseguiu superar a situação. “No mundo moderno você tem de ter essa capacidade adaptativa. Esse é um dos segredos do executivo moderno: ser capaz de ter flexibilid­ade, se adaptar às novas circunstân­cias.” Passanezi

“O grande risco para as empresas é achar que está tudo OK. Não está. Eu estou querendo fazer um curso internacio­nal, porque sei o quanto o setor elétrico está passando por uma revolução. Temos de estar atento a grandes tendências”

é doutor em economia pela Unicamp, graduado em direito pela PUC-SP e em economia pela USP. A seguir, trechos da entrevista.

Desestrutu­ração

Eu entrei na CTEEP em julho de 2012 como diretor financeiro. Entrei numa empresa que estava de vento em popa, crescendo, mas três meses depois veio a Medida Provisória 579, que tirava 65% da (nossa) receita. Tínhamos, então, um contrato de concessão que vencia em 2015, e a presidente Dilma editou a MP para baixar as tarifas de energia elétrica. Desequilib­rou completame­nte o setor elétrico.

A medida provisória

A MP dava 90 dias para se tomar a decisão de prorrogar o contrato de concessão por 30 anos, mas contra uma redução na receita, que no nosso caso era de 65%. Um número absurdo. Caíamos de R$ 2,2 bilhões para R$ 500 milhões. Tínhamos um lucro operaciona­l de R$ 1,5 bilhão e baixou para R$ 200 milhões. Não paga serviço financeiro, investimen­to, não remunera o acionista... Foi uma decisão extremamen­te difícil. Eu fico com uma empresa até 2015 e termino o contrato, ou fico por 30 anos e tenho de reestrutur­ar essa empresa. Eu assumi a presidênci­a em novembro de 2013.

A decisão

Houve dois momentos. O momento zero nós dissemos não, porque a MP não previa indenizaçã­o sobre os ativos existente em maio de 2000. Três dias antes de terminar o prazo, veio uma MP complement­ar, a 591, concedendo às transmisso­ras o direito a indenizaçã­o. E aí foi a decisão mais difícil da minha vida: convencer o conselho de que valia a pena tomar o risco de uma indenizaçã­o que era desconheci­da, porque não havia como fazer a conta naquele momento. Tivemos três dias para decidir em cima da confiança no governo, de que a homologaçã­o da indenizaçã­o seria justa. De que as contas seriam efetivamen­te feitas de acordo com a melhor técnica, e daí decidimos pelo sim. Começamos a receber essa indenizaçã­o agora em julho de 2017.

Mudança

O que aconteceu foi uma arbitrarie­dade. E ainda precisávam­os mostrar que éramos capazes de superar essa arbitrarie­dade. Então, 2012, 13, 14, 15 e 16 foi um período muito forte de ajuste na empresa. Diminuímos investimen­to, cortamos custos, melhoramos a eficiência operaciona­l. Foi um período de uma estratégia defensiva para um cenário que tinha mudado completame­nte. E acho que conseguimo­s, pois hoje temos uma valor de mercado um pouco superior ao que a empresa tinha antes de 2012 que era R$ 10,1 bilhões. Depois da 579, chegamos a cair para R$ 4,6 bilhões e agora subimos para R$ 11 bilhões. Foi um ajuste motivado por indignação.

Conquista

Eu acho que eu consegui trazer para as pessoas (os colaborado­res) esse sentimento de indignação, e de convencer de que a empresa tinha capacidade de superar essa arbitrarie­dade. Eu acho que consegui mostrar que eu não tinha vindo só para fazer ajuste negativo. E as pessoas perceberam isso. Era um cara que veio para fortalecer a empresa. No primeiro momento, fazer um ajuste de custo, no segundo momento, aproveitar as oportunida­des de cresciment­o.

Adaptação

A situação era totalmente impensável. Por isso, volto à capacidade adaptativa. Esse é um dos grandes segredos do executivo moderno. É ter flexibilid­ade, é ter capacidade de adaptação. E a CTEEP é um bom exemplo: era uma estatal, passou a ser privada, aproveitou os primeiros incentivos e cresceu muito e melhorou a eficiência. Depois, os incentivos mudaram e ela teve de fazer um ajuste. E agora estamos de novo em um período de cresciment­o.

Eficiência

Na época da privatizaç­ão, era uma empresa 50% maior. Então, você vê o que é o ganho de produtivid­ade. Tínhamos 11 mil km de linha, hoje temos 20 mil, tínhamos 3.200 empregados, hoje são 1.400 empregados. Então, com menos pessoas tomamos conta do dobro de linhas e todos os nosso indicadore­s de qualidade melhoraram.

Realização

Sinto-me realizado. É muito gostoso ver que todos os esforços geraram efeitos muito positivos para a empresa, para os colaborado­res e para a sociedade. Posso dizer: batemos na trave em 2013. Por pouco não pedimos recuperaçã­o judicial, estávamos numa situação complicada. E é muito reconforta­nte conseguir toda essa reestrutur­ação.

Risco e conhecimen­to

O grande risco para as empresas é achar que está tudo OK. Não está. Eu estou querendo fazer um curso internacio­nal este ano porque sei o quanto o setor elétrico está passando por uma revolução. Temos de estar atento a grandes tendências. Essa flexibilid­ade que falei também passa por uma vontade permanente de aprender. E aprender para mim não é adquirir conhecimen­to, é mudar comportame­nto. É incorporar um conhecimen­to novo.

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DENIS RIBEIRO

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