De olho no futuro
Com automação e inteligência artificial avançando sobre o mercado de trabalho, o jeito é se preparar já para as mudanças
Aprender a treinar robôs se tornou a meta profissional para 2018 do analista de sistemas Marco Bonamichi, de 28 anos. Ele quer que as máquinas assumam parte das suas funções na agência onde trabalha, especializada em comunicação e análise de dados para empresas. São robôs virtuais – softwares, linhas de código para computador e algoritmos – capazes de fazer boa parte do trabalho repetitivo do seu dia a dia.
Bonamichi trabalha na área de inteligência empresarial, o que envolve coletar e organizar informações sobre o comportamento de consumidores na internet, medir o desempenho de campanhas de publicidade, e analisar as condições em que produtos e serviços de clientes teriam melhor desempenho.
O jovem logo percebeu que muitas dessas responsabilidades poderiam ter melhor execução com soluções de automação, e começou a ficar apreensivo sobre o futuro. Neste ano, ele se matriculou em um curso de MBA em Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning, da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap). Seu principal objetivo é se preparar para o dia em que as grandes empresas começarem a investir pesado no trabalho das máquinas.
“A ideia era me preparar antes, para que quando esse assunto já fosse pauta de todas as reuniões estratégicas e do desenho de novos modelos e processos, eu já ter a bagagem profissional necessária para trabalhar em cima disso de forma satisfatória”, conta. “É por isso que fiquei preocupado, na verdade, no Brasil, é um pouco difícil encontrar empresas que tenham essa visão de futuro. Mas quando começarem a adotar essa postura, quem não se adaptar vai ficar muito para trás.”
No Brasil, cerca de 15,7 milhões de trabalhadores devem ser afetados pela automação, segundo pesquisa da consultoria McKinsey. São profissionais que terão parte de suas funções afetadas, mudarão para outras áreas dentro de suas empresas, e podem até migrar para novas profissões. Para 70% da força de trabalho, segundo a McKinsey, cerca de um terço das suas funções serão automatizadas.
O impacto dessa transformação nas taxas de desemprego vai depender de fatores como crescimento econômico, média salarial, envelhecimento da população e investimento em capacitação profissional. Em cada país, a adaptação do mercado de trabalho ao novo cenário deve ocorrer de forma diferente.
Segundo especialistas, as primeiras a serem substituías são funções repetitivas e previsíveis, que podem ser padronizadas e repassadas a uma máquina, mas as transformações não terminam aí. Até mesmo cargos que envolvem trabalhos criativos e tomada de decisões devem mudar com o desenvolvimento da IA e do chamado big data, o processamento de volumes imensos de dados. Os setores afetados vão desde redes de varejo até escritórios de advocacia.
“Algumas pessoas entre esses 15 milhões de afetados vão ter de repensar radicalmente a função que fazem, e outros vão ter que de alguma forma se adaptar ao cenário da automação”, afirma Fernanda Moya, sócia da McKinsey para a área de práticas de organização.
Para o professor Leonardo Trevisan, que pesquisa transformação do trabalho e gestão de carreiras na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), as empresas devem apostar no treinamento de profissionais para trabalhar ao lado de robôs, no monitoramento e programação das atividades, como é o caso de Bonamichi.
Convivência.
“Uma série muito grande de decisões deixaram de ser tomadas por humanos”, diz. “O que já está mais ou menos claro é que nós teremos uma convivência do humano com o robô.”
Nos cursos de pós-graduação, interessados em aprender mais sobre inteligência artificial vêm de várias carreiras diferentes. Há profissionais de recursos humanos interessados em melhorar critérios de seleção, administradores buscando atualização na análise de dados, e advogados que querem melhorar o acompanhamento de processos e criação de contratos.
“Muitos alunos são gerentes em grandes empresas, que vêm para os cursos porque precisam se habituar às mudanças no processo de tomada de decisão”, diz o analista Anderson França, de 27 anos, que dá aulas de big data e estatística na Fundação Instituto de Administração (FIA). “Eles já têm necessidade de trazer isso para o dia a dia, para não serem engolidos por outra área.”
A maior dificuldade de França nas aulas tem sido a defasagem de conteúdo com que os interessados em aprender IA chegam à sala de aula. Ele diz que os currículos de vários cursos de graduação, mesmo na área de exatas, estão atrasados em relação às tecnologias mais utilizadas hoje no mercado.
Formado em análise e desenvolvimento de sistemas, França começou a estudar automação digital há seis anos. Hoje, além das aulas, trabalha em uma agência de consultoria e marketing digital. Parte de seu trabalho envolve programar algoritmos que façam a coleta e processamento dos dados de clientes, responsabilidade que hoje é dos funcionários. “A ideia é eliminar as funções que são mais automatizáveis, para que o analista gaste tempo somente analisando”, diz França, que vê o processo como inevitável. “Teremos profissionais muito mais independentes para tomada de decisão, sem depender de terceiros.”