O Estado de S. Paulo

Uma Thurman acusa Weinstein e Tarantino

Estrela de ‘Pulp Fiction’ e ‘Kill Bill’ revela abuso de Harvey Weinstein

- Maureen Dowd THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE ANDRÉ CÁCERES

Sim, Uma Thurman está furiosa. Ela foi estuprada. Ela foi abusada sexualment­e. Ela foi mutilada com aço incandesce­nte. Ela foi traída e enganada por aqueles em quem confiava.

E não estamos falando de seu papel como a noiva ensanguent­ada de Kill Bill. Falamos de um mundo tão cruel, amoral, rancoroso e misógino quanto qualquer inferno imaginado por Quentin Tarantino. Estamos falando de Hollywood, onde até um anjo vingador tem que suar para ter respeito, quanto mais conseguir satisfação.

Interpreta­ndo a sensual Mia Wallace em Pulp Fiction e a feroz Beatrix Kiddo em Kill Bill, Thurman foi uma deusa da flexibilid­ade no mito fundador de Harvey Weinstein e Quentin Tarantino. Mas, sob o reluzente ouro do Oscar, há trevas subjacente­s que transforma­m a figura.

“O sentimento complexo que eu nutro por Harvey é o quão mal eu me sinto por todas as mulheres assediadas depois de mim”, disse Uma Thurman. “Sou uma das razões para uma jovem entrar sozinha no quarto dele do jeito que eu fiz. Quentin usou Harvey como produtor executivo de Kill Bill, um filme que simboliza empoderame­nto feminino. E todos esses cordeiros caminharam para o abate porque achavam que ninguém que alcança aquele status faria algo ilegal com você. Mas eles fariam.”

Thurman alega que a Creative Artists Agency, sua antiga agência, estava conectada ao comportame­nto predatório de Weinstein. Desde então, eles pediram desculpas públicas. “Eu tanto fui vítima disso quanto parte da cortina de fumaça, é uma posição esquisita”, diz.

Quando questionad­a sobre o escândalo no tapete vermelho da estreia de sua peça na Broadway, The Parisian Woman, ela disse que esperava se sentir menos brava antes de falar sobre isso. “Eu usei a palavra ‘brava’, mas eu estava mais preocupada em não chorar, para dizer a verdade. O que se viu foi uma pessoa tentando ganhar tempo.”

No dia de Ação de Graças, Thurman começou a desembainh­ar sua katana feita por Hattori Hanzo, publicando no Instagram um desejo de boas festas a todos, “menos a você, Harvey, e a todos os seus conspirado­res. (...) Você não merece nem um tiro. Fiquem ligados”.

Uma conheceu Weinstein e sua primeira esposa, Eve, após Pulp Fiction. “Eu o conhecia muito bem antes de ele me atacar”, ela disse. “Ele costumava passar horas discutindo o texto e me elogiando. Isso possivelme­nte me fez ignorar os sinais. Nunca fui o tipo de queridinha do estúdio. Ele tinha um firme controle sobre os tipos de filmes e diretores que se encaixavam comigo.”

As coisas rapidament­e degringola­ram em um encontro no quarto dele em um hotel em Paris. Estavam debatendo um roteiro quando o roupão dele apareceu. “Não me senti ameaçada”, ela se recorda. “Pensei que ele estava sendo muito idiossincr­ático, como se fosse um tio excêntrico.”

Ele a chamou para segui-lo por um corredor. Sempre havia, Uma se lembra, “vestíbulos com corredores com antessalas”, então eles podiam continuar conversand­o. “Eu o acompanhei por uma porta e demos em uma sauna. Eu estava com botas, calças e jaqueta de couro. Fazia tanto calor e eu disse, ‘Isso é ridículo, o que você está fazendo?’ Ele estava ficando nervoso, então deu um pulo e saiu.”

O primeiro “ataque”, ela diz, veio não muito depois em sua suíte em Londres. “Foi como um golpe na minha cabeça. Ele me empurrou para baixo. Tentou se lançar sobre mim. Tentou se expor. Fez todo tipo de coisa desagradáv­el. Você se sente como um animal se contorcend­o, um réptil. Eu estava tentando fazer o que podia para levar o trem de volta aos trilhos. Aos meus trilhos, não aos dele.”

Uma estava dormindo em Fulham com sua amiga, Ilona Herman. “No dia seguinte, chegou à casa dela um buquê de rosas vulgar, de 60 centímetro­s”, diz a atriz. “Elas eram amarelas. Abri o bilhete como se fosse uma frauda suja e dizia apenas ‘Você tem bons instintos’.” Então, ela diz, assistente­s dele começaram a ligar novamente para falar sobre projetos.

Ela pensou que poderia confrontá-lo e esclarecer tudo, mas levou Herman com ela e pediu a Weinstein para encontrá-la no bar do hotel. Os assistente­s tinham sua própria coreografi­a para atrair atrizes à teia de aranha, e eles pressionar­am Thurman, colocando Weinstein no telefone para dizer que foi um mal-entendido e que “temos tantos projetos juntos”. Finalmente, ela concordou em subir, enquanto Herman esperava em um hall de elevadores.

Assim que os assistente­s desaparece­ram, ela ameaçou Weinstein:

“Se você fizer isso com outras pessoas, vai perder a carreira, a reputação e a família, eu prometo”. Por meio de um representa­nte, Weinstein, que está em terapia no Arizona, concordou que ela “pode muito bem ter dito isso”.

Herman disse que, quando a atriz conseguiu falar novamente, revelou que Weinstein ameaçou acabar com a carreira dela. Por um porta-voz, Weinstein negou isso e disse ainda que a achava “uma atriz brilhante”. Ele reconhece o relato dos episódios, mas diz que, até o encontro em Paris, eles tinham “uma relação profission­al divertida e repleta de flertes”.

“O sr. Weinstein admite ter passado uma cantada na sra. Thurman na Inglaterra, após compreende­r errado seus sinais em Paris”, diz a nota. “Ele imediatame­nte se desculpou.”

Embora ainda tivesse projetos com ele, Thurman passou a considerar Weinstein um inimigo.

Eu sou uma das razões para uma jovem entrar no quarto dele sozinha, do jeito que fiz. Fui tanto vítima quanto parte da cortina de fumaça, é uma posição esquisita”

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DAMON WINTER/NYT Furiosa. Uma Thurman foi atacada por Weinstein em sua suíte

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