O Estado de S. Paulo

Onça brasileira vira esperança no Pantanal argentino.

Fêmea doada por um criadouro do Paraná protagoniz­a um ambicioso projeto para resgatar a espécie da extinção no país vizinho

- Herton Escobar

Isis é brasileira, tem 6 anos e nasceu em um criadouro particular no Paraná. Nahuel é sete anos mais velho, nascido no Uruguai, mas passou a maior parte da vida em um zoológico da Argentina. Ainda mal se conhecem pessoalmen­te, mas a esperança é de que sejam uma espécie de Adão e Eva das onças-pintadas no “Pantanal argentino”.

O primeiro encontro – nada fortuito – entre os dois felinos ocorreu há duas semanas sob o olhar atento de veterinári­os do Centro Experiment­al de Reprodução de Onças de Iberá, na província de Corrientes, nordeste da Argentina. Isis e Nahuel fazem parte de um grupo de cinco onças (dois machos e três fêmeas) selecionad­as para um grande projeto de reintroduç­ão da espécie nas planícies alagadas da região, conhecida como Esteros de Iberá. A paisagem é semelhante à do Pantanal brasileiro, com a diferença de que a fauna local foi quase que totalmente dizimada por caçadores e fazendeiro­s.

Passadas algumas décadas desde que a última “verdadeira fera” – ou yaguareté, nome guarani pelo qual as onças são chamadas na região – foi vista em Iberá, Isis é agora a protagonis­ta de um ambicioso projeto da organizaçã­o Conservati­on Land Trust (CLT) de restaurar toda a biodiversi­dade local.

Cinco espécies já foram reintroduz­idas: tamanduá-bandeira, veado-campeiro, cateto, anta e arara-vermelha. Agora é a vez da onça-pintada reocupar o topo da cadeia alimentar. Como há muito poucas na Argentina, foi preciso pedir animais de outros países. Além de Isis, um macho foi trazido do Paraguai. O plano é reproduzir esses animais de cativeiro em um ambiente aberto, natural, para que seus filhotes aprendam a caçar como animais selvagens e possam ser soltos na natureza, para repovoar Iberá.

Filha de animais de zoológico, Isis nasceu no Criadouro Onça Pintada, um centro autorizado de criação e reprodução de fauna em Campina Grande do Sul, a 30 quilômetro­s de Curitiba. “A Isis é muito boazinha”, diz o médico Luciano Saboia, proprietár­io do centro e presidente da Associação de Pesquisa e Conservaçã­o da Vida Silvestre, organizaçã­o civil pública responsáve­l pelo criadouro. “Puxou o pai, porque a mãe é meio temperamen­tal.”

A doação foi intermedia­da pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservaçã­o de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade (ICMBio), com apoio do Ministério do Meio Ambiente. A lei não permite a doação de animais selvagens, capturados da natureza. Daí a opção por um animal nascido em cativeiro.

Escola. Isis chegou a Iberá em novembro. Vive agora em uma área natural cercada, de 1,2 mil metros quadrados, onde já recebe algumas presas vivas para caçar. Como sempre viveu em cativeiro, ela precisa aprender a caçar primeiro, para poder ensinar aos filhotes.

“Ela tem um instinto natural de caça, que vai sendo melhorado com a prática”, diz o biólogo Sebastián Di Martino, coordenado­r de projetos de reintroduç­ão de espécies ameaçadas da CLT. Quando tiver filhotes, Isis será transferid­a para um cercado maior, de 15 mil metros quadrados (1,5 hectare), e a partir daí a caça será a única fonte de alimento para toda a família. O cardápio regional inclui jacarés, tatus, texugos, porcos selvagens (catetos) e capivaras.

Os animais serão soltos nos recintos para as onças caçarem naturalmen­te, sem interferên­cia humana. “Os filhotes nunca vão ter contato com seres humanos”, explica Saboia, que acompanha de perto o projeto. “Serão onças nascidas em vida livre, teoricamen­te.”

O primeiro encontro entre Isis e Nahuel foi amigável, mas não houve cópula — o que é normal, segundo Di Martino.

Parque. A estratégia de conservaçã­o de Iberá inclui ainda a criação de um grande parque nacional, com 700 mil hectares. Ao mesmo tempo que trabalha na recuperaçã­o da biodiversi­dade local, a Conservati­on Land Trust está montando toda a infraestru­tura necessária para a operação do parque. Ao final, tudo será doado ao governo argentino.

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RAFAEL ABUÍN / PROJETO IBERÁ
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FOTOS: RAFAEL ABUÍN / PROJETO IBERÁ Reprodutor­a. Isis tem 6 anos e pesa cerca de 60 quilos

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